RABAT – Processo de Barcelona em exame
2005/11/20Palestina a votos
2006/01/24PERSPECTIVAS FINANCEIRAS Tão poupados e amigos que eles são
Em Junho passado, a Presidência inglesa inviabilizou um acordo sobre as Perspectivas Financeiras da União, com base no argumento de que existia dinheiro a mais para a Agricultura e de menos para o crescimento económico. À época, Tony Blair não hesitou sequer em afirmar que estaria na disposição de abrir mão do chamado cheque britânico contra mudanças na Política Agrícola Comum, que se traduzissem numa redução do seu peso orçamental.
Seis meses passados, o primeiro-ministro apresenta uma nova proposta. Nela, não se toca na PAC. A presidência britânica, neste domínio, propõe que o assunto seja diferido para um processo de reforma global da despesa, a iniciar em 2008. Assim, a novidade é uma quebra das despesas globais em relação à proposta do Luxemburgo, estimada em 25 mil milhões de euros para o período de 2007 a 2013. Assim se revela o real objectivo da manobra de Junho: reconstituir o “clube 1 por cento”.
A segunda novidade da proposta é que a fatia de leão dos cortes incide sobre os Fundos de Coesão, em particular os dirigidos aos novos países que aderiram à União. Por outras palavras, ao mesmo tempo que se refaz a unidade dos países mais ricos em torno da redução do bolo, Tony Blair instala a divisão e o “salve-se quem puder” entre os mais fracos. A pressão dirige-se agora aos países do alargamento, e é mensurável em cortes na ordem dos 15 mil milhões de euros. Em troca, como prova de inexcedível “generosidade”, Blair disponibiliza-se para prescindir de 8 mil milhões de euros de reembolso do chamado “cheque britânico”…
Antes de apresentar a proposta, Londres encontrou-se com os países do Leste. Não imagino como lhes terá falado, se na linguagem de “pegar ou largar”, ou se na da cumplicidade ideológica. Provavelmente nas duas. O certo é que os países do Leste europeu estão tentados ao acordo. Para os governos do capitalismo mais selvagem da Europa, um pássaro na mão é melhor do que dois a voar, até porque a sua capacidade de absorção de dinheiros comunitários é, de momento, um fracasso. Quanto aos restantes países do grupo da Coesão, onde se encontra Portugal, os montantes previstos não se alteram significativamente, garante Londres. Mas os cortes face a Junho, virão. Porque os países do Sul eram os que mais tencionavam aproveitar as verbas destinadas ao desenvolvimento do mundo rural, e essas terão um corte de 7 mil milhões de euros. Não deixa de ser sintomático que Blair reduza estas dotações, precisamente as que viabilizavam a transição da Política Agrícola Comum, proteccionista e favorável aos grandes proprietários, para uma aposta numa visão mais moderna e sustentável dos campos…
A gravidade da proposta de Londres é dupla: quando a Europa precisaria de Orçamentos Comunitários expansivos para combater a crise social e económica em que está mergulhada, Londres aponta o caminho inverso, aquele que faz da Europa cada vez menos Europa; e quando seria vital perceber que a aproximação de níveis de vida entre os países, não define apenas critérios de solidariedade na União, como é de utilidade para todos, a proposta de Londres afasta ainda mais o horizonte da convergência entre os países das periferias e o centro da Europa. Não está apenas em causa saber quanto é que Portugal poderá vir ainda a perder. Está em causa a natureza do próprio projecto europeu.
O que começa mal dificilmente se endireita. Os governos, todos de inspiração neoliberal, mais ou menos temperada, interiorizaram durante décadas, a política do “menos Estado, melhor Estado”. Agora apanham com o “menos Europa, melhor Europa”. Estava inscrito nos astros. Não se pode defender o Pacto de Estabilidade, o défice zero e o mais que se sabe sobre as mágicas virtudes do mercado, e depois reclamar uma Europa com capacidade redistributiva. Os países do grupo da Coesão partiram para as Perspectivas Financeiras ideologicamente derrotados à partida.
Vale a pena rever o “filme”: em Dezembro de 2003, seis dos “ricos” propõem um tecto máximo de despesa situado em 1 por cento do PIB europeu. Meses mais tarde, a anterior Comissão Europeia responde com 1,24 por cento, o que dava 1.025 mil milhões de euros para o período. A partir daí foi sempre a descer. Em Junho de 2005, a Presidência Luxemburguesa tentou fechar o acordo em 1,06 por cento, 871 mil milhões de euros. E agora é o que se sabe. Regressou tudo à estaca inicial dos seis. Na realidade, o montante proposto não é, sequer, o que vai ser gasto. O que se vai gastar ficará por 0,98 por cento, pouco mais de 800 mil milhões de euros.
Por causa de 25 mil milhões de euros, Durão Barroso acusa o seu amigo Tony Blair de fazer como o xerife de Nottinghan, e que este será um orçamento para “uma mini-europa”. Como se o do Luxemburgo, que tanto elogio recebeu, fosse o de uma “grande Europa”. Como se, no fim, não acabem todos por assinar a proposta inglesa, mais milhão, menos milhão, auto-elogiando-se por manterem em andamento esta Europa de fasquia baixa… Porque esta é uma Europa que colapsa a sua própria ideia nas migalhas que disputa.