LAMPEDUSA Na prisão da fortaleza
2005/07/01Operação ‘Pânico e terror’
2005/07/16Armadilha letal
Diário de Notícias, Opinião
Londres é a mais importante Babel da Europa. Foi Babel a atingida pelos quatro atentados terroristas de anteontem. Os visados foram as pessoas comuns que usam os transportes colectivos para se deslocarem. Cristãs, muçulmanas ou ateias; a favor ou contra a intervenção norte-americana e inglesa no Iraque ou no Afeganistão; de nacionalidade britânica ou de qualquer outra das mil que habitam a cidade. Isto são factos, não opiniões. Os destinatários do terror não são aqueles que um qualquer comunicado invocará para qualificar o inqualificável.
Vale a pena tirar uma primeira ilação: o terror de anteontem alvejou a ideia de que os seres humanos, para lá das suas convicções e origens culturais, religiosas ou políticas, podem viver em conjunto nas cidades da Terra comum. Os fundamentalistas islâmicos tomam à letra a tese de que o Mundo actual se compreende à luz de um “choque de civilizações” entre os “bons” e os “maus”. As suas bombas são as mensageiras mortais dessa absurda e trágica mundividência.
O problema desta visão do Mundo é que ela se partilha, simetricamente, do “lado de cá”. Não me ocupo agora dos intelectuais que lhe deram justificação ocidental. O que me preocupa são os sentimentos difusos que voam nessa direcção em largos extractos da população.
Os atentados de Londres contaminam quer as opiniões públicas europeias, quer as de influência islâmica a oriente. A ideia do “desenvolvimento separado”, cada um em seu lugar e de preferência longe da vista, tem hoje mais uma multidão de adeptos entre os deserdados, onde quer que se encontrem.
Na Europa, o terrorismo dos fundamentalistas islâmicos multiplica – e eles sabem-no – as pressões sociais e políticas sobre as comunidades imigrantes de confissão muçulmana. Deste princípio de escalada esperam os frutos em novos recrutas do ressentimento. E rezam para que os governos europeus se putinizem na luta anti-terrorista. Fica tudo mais fácil à bruta.
No mundo de influência muçulmana, os fundamentalistas sabem que este tipo de actos lhes dá o reconhecimento da coragem na luta contra os cruzados. Não é difícil. Porque os cruzados fardados ocupam as terras da Mesopotâmia, protegem os líderes mais corruptos e se apropriam das riquezas naturais. A mensagem de que nenhuma bomba longínqua é demais em face da humilhação, tem, infelizmente, muito por onde medrar. A armadilha letal está em marcha.
Três anos de absoluta prioridade à luta anti-terrorista apresentam o mais nefasto dos saldos.
Entre 2003 e 2004 os atentados terroristas quase quadruplicaram. A ofensiva sobre a Al Quaeda não evitou a disseminação das redes operacionais do fundamentalismo. A luta anti-terrorista nos novos protectorados mata tanto ou mais civis do que o próprio fundamentalismo. Como agora se sabe em Itália – onde 12 agentes da CIA raptaram um “irmão muçulmano” para o “trabalharem” no Cairo – os processos da luta anti-terrorista aproximam-se diabolicamente dos praticados pelo inimigo. Os investimentos em segurança crescem exponencialmente, mas o único resultado visível é o que se pode observar nos resultados de exercício das grandes companhias do complexo militar-industrial.
Esta absoluta e trágica prioridade das democracias alimenta uma espiral sem luz ao fundo do túnel. Mesmo Washington o começa a reconhecer quando no Afeganistão lança as primeiras pontes aos talibãs e no Iraque procura falar com as resistências armadas nacionalistas…
Tirar o balanço não justifica baixar os braços. Ao invés, exige uma nova estratégia para desarticular a espiral da violência. Retirar ao fundamentalismo islâmico os pretextos de que este se serve; atacar os circuitos financeiros que o alimentam; e encontrar soluções políticas onde as armas falham – tais deveriam ser os objectivos de uma nova abordagem contra a armadilha em que o Mundo mergulhou.
Três exemplos de sinais que poderiam levar as pessoas a acreditar: para quando o estabelecimento de prazos para a retirada das forças de ocupação do Iraque e sua substituição por uma solução internacional que favoreça a pacificação? Para quando a convocação de uma Conferência Internacional de Paz que obrigue Israel a abandonar a sua política unilateral? E finalmente, para quando o fim dos offshores financeiros, medida que atingiria o pulmão do crime político e económico? Algo que, aliás, depende estritamente da vontade do G8?…