UM ANO DECISIVO
2005/02/01Uma semana depois, o dia seguinte
2005/02/26A derrota, a maioria e a diferença
Diário de Notícias, Opinião
Quem perde: a uma semana dos votos está claro. Perdem as direitas, em particular o PSD, e em absoluto Santana Lopes. Em conjunto, não passam dos 36 a 37%, e isto dizem as sondagens mais favoráveis. Em separado, o PSD dificilmente vale mais que 30 pontos; e só por milagre, na noite das facas longas, Santana Lopes resistirá à coligação de abutres liderada por Cavaco Silva. Quando todas as sondagens convergem, é porque reflectem a realidade da opinião pública. Ela espelha-se hoje mesmo na que o Expresso publica e onde o essencial se encontra para cá dos números com Pedro, o vizinho de sua casa ainda admite ir tomar um copo. Mas, garante o estudo de opinião, jamais lhe compraria um carro em segunda mão… Os factos corroboram as sondagens.
Santana Lopes é hoje um homem abandonado por todos – pelo homem que quer ser presidente, pelos barões, pelo seu vizinho de coligação e, obviamente, pelo povo. Aliás, é porque este o abandonou que todos os outros fizeram o mesmo. Em política há surpresas, mas não milagres. O verdadeiro drama do “menino guerreiro” são os sete dias que ainda faltam, a recta final de um calvário que, confesso, não desejo ao pior dos adversários. Bem sei que foi ele que escolheu o caminho. Mas nada do que se está a passar – entre o patético e o canalha – é bonito de se ver. Santana Lopes não tem estado com gripe. Simplesmente, gripou.
Quem ganha: Portanto, o PS. Não há na vitória sombra de mérito. Apenas demérito alheio. E também a vontade de um povo que quer pôr fim à trapalhada. O que é pouco e é muito. Pouco, porque os socialistas ganham sem merecimento; e muito, porque a maioria quer a política destes três anos e os “episódios” dos últimos quatro meses pelas costas. A dúvida desta eleição resume-se a saber se o PS alcança ou não a maioria absoluta. Eu espero que não e argumento com maioria absoluta, o PS será inevitavelmente prisioneiro dos interesses mais poderosos. Sem maioria absoluta, depende. Tem, pelo menos, a opção de não ser.
Manuel Alegre disse no outro dia que o PS não se deixa condicionar por ninguém. Claro que deixa! Sempre deixou. Com maioria absoluta, todos os interesses que dependem dos favores do Estado se agruparão em seu redor. E vencerão os mais poderosos. Com um exemplo percebe–se melhor do Estado dependem os doentes. Mas dependem também os candidatos à gestão privada dos hospitais, um mercado infinito de clientes com garantia de pagamento pelo Estado. O lucro sem riscos, portanto. Com maioria absoluta, ganham os últimos. Com maioria relativa, depende do jogo de forças. Sem maioria absoluta, José Sócrates pensará duas vezes se quer favorecer os privados votando com a direita, ou a renovação do sistema nacional de saúde com os votos da esquerda. Este exemplo pode ser multiplicado ao infinito. Por isso digo aos socialistas que queiram inflectir os rumos do País: o voto inteligente é o que faz de uma pequena diferença toda a diferença. Não dêem tudo a Sócrates. A maioria absoluta não só não oferece “estabilidade para quatro anos” como amplificaria as principais taras e doenças da nação. Não garante estabilidade. O Governo que agora caiu tinha maioria absoluta e caiu. E o PS começou a cair no exacto momento em que escolheu o queijo Limiano e não a esquerda da reforma fiscal para obter a sua maioria absoluta.
A verdade é que as maiorias absolutas não resistem quando a imensa maioria do povo as deixa de aturar. A Portugal só interessam maiorias que clarifiquem. Não adiantam as que adiam. Sem maioria absoluta, o PS será forçado a fazer escolhas, a clarificar o sentido da política. É a diferença é isto que leva à imensa “nervoseira” de meio mundo e arredores com o Bloco de Esquerda. Santana diz que o PS tem um “acordo secreto”; Paulo Portas repete todos as noites que Portugal não pode ser presa dos “radicais”; e até Pacheco Pereira explica ao PS que o PCP é muito “mais moderado” e “fiável”. O que a todos preocupa é que o Bloco, por ficar fora do Governo, se baterá, decisão a decisão, por maiorias que inflictam o rumo das coisas. Os interesses prefeririam mil vezes que o Bloco ou o PCP entrassem no Governo. O pânico nas direitas é que desta vez o Bloco não disputa só deputados. Disputa também as políticas. Não sectariza, polariza. Porque a pequena diferença entre a maioria absoluta e relativa pode ser, afinal, uma grande diferença.