A derrota, a maioria e a diferença
2005/02/12MIOPIA
2005/03/01Uma semana depois, o dia seguinte
Diário de Notícias, Opinião
Há 15 dias, nesta mesma coluna escrevi “Em conjunto, as direitas não passam dos 36 a 37%. Em separado, o PSD dificilmente vale mais que 30 pontos. E só por milagre, na noite das facas longas, Santana Lopes resistirá à coligação de abutres liderada por Cavaco Silva. Mas em política há surpresas, não milagres.” Assim foi. O voto deu razão a Jorge Sampaio. Foi tão nítido, que a derrota dos partidos do Governo conduziu, directamente, à demissão das respectivas lideranças. O meu irmão fê-lo com dignidade. Santana ainda esbracejou. O PP perdeu – menos – porque não conseguiu sair da fotografia de conjunto. O líder do PSD, esse, arcou com as culpas de uma responsabilidade partilhada.
Ele foi o rosto do detestável. Mas existe, na penalização, a injustiça da ingratidão. Durão Barroso é tão ou mais responsável pela trapalhada fatal do que o “trapalhão-mor” do reino. Barroso fugiu, aproveitou a oportunidade e “saltou” para cima. Santana ficou. Com as dívidas que contraiu, e as do outro. Na longa noite das facas longas que atravessa o PSD falta ainda na lista dos derrotados o que se pôs de fora para não ficar em qualquer fotografia Boliqueime. Cavaco Silva não fugiu. Simplesmente traiu.
Deu todos os sinais de que preferia a vitória do PS à do seu partido. Tinha bons argumentos para isso. Mas o modo como executou o seu plano define-o. Hoje poucos se lembram como ele saiu, tão impopular e insuportável quanto Santana. E tão responsável como António Guterres pelas promessas que levaram este povo ao endividamento bancário que hoje o estrangula. Nos próximos meses, esse passado hoje mitificado será lembrado…
O professor livrou-se de Santana e pegará num partido em cacos por interpostos actores. Mas as presidenciais estão longe de ser favas contadas. Mais estão hoje bem mais longe do sucesso que a 19 de Fevereiro. No povo laranja, Cavaco é – só pode ser – o terceiro responsável pela expressão humilhante da derrota. Singelo contra dobrado, aqui deixo o meu voto para as presidenciais de Janeiro de 2006: que aí se conclua a derrota averbada pelas direitas a 20 de Fevereiro. O pior que poderia acontecer a este país adiado seria um bloco central dos interesses, articulado numa coabitação entre Belém e S. Bento.
Há 15 dias, escrevi ainda “A dúvida desta eleição resume-se a saber se o PS alcança ou não a maioria absoluta. Espero que não e argumento: com maioria absoluta, o PS será inevitavelmente prisioneiro dos interesses mais poderosos. Sem maioria absoluta, depende. Tem, pelo menos, a opção de não ser.” Vem esta frase a propósito dos resultados do Bloco de Esquerda. Entre ódio, incredulidade e prospectiva muito se escreveu. Mas convém recordar a frase, porque ela sintetiza rigorosamente o que se disse na campanha sobre a questão da maioria absoluta ou relativa. É facto que quer o Bloco quer o PCP se bateram para evitar a primeira das variantes. Mas, pelo menos no caso dos bloquistas, a maioria relativa nunca foi um objectivo da eleição. Seria, quando muito, a cereja no bolo. Nem a maioria absoluta impede a capacidade de iniciativa à esquerda, nem a relativa garantia, de per si, um Governo “centrista” dependente das esquerdas. O Bloco não “jogou tudo” na maioria relativa. “Jogou tudo”, sim, no maior crescimento possível. Com os resultados conhecidos… O que surpreende é que alguns analistas se interroguem, agora, sobre o que fará o Bloco com os votos que obteve. A dúvida seria certeira quando, em 2002, as direitas alcançaram a maioria e os deputados do BE perderam o lugar decisivo que antes dispunham na AR. Porque aí a resposta só veio depois três deputados como força incansável de oposição sem medo.
Agora, com oito deputados e deputadas – o primeiro grupo parlamentar paritário da democracia portuguesa -, o sinal foi dado na própria noite da vitória iniciativa, iniciativa, iniciativa. Em face dela, o PS – com maioria absoluta – terá que clarificar as suas opções como se tivesse maioria relativa. Apenas dispõe de um poder de decisão “mais absoluto”. Mas sabendo que o BE tem hoje condições imensamente melhoradas para interagir com os movimentos sociais, “agarrar” políticas sectoriais, agregar forças, saberes e energias. Nuns casos, servirão para reforçar capacidades de oposição; noutras, para inflectir e melhorar políticas; e em todos, para construir uma alternativa de projecto contra a crise, o atraso e o conservadorismo.