Ilha no epicentro do vazio
2005/10/01Para cá e para lá da concertina
2005/10/05A geopolítica do cinismo
Editorial do jornal GLOBAL
O drama de Melilla exibe o preço da Europa fortaleza. Só o compra quem quer. Nós não.
Esta política parte de uma ideia simples: como a Europa não pode receber todos os miseráveis do Mundo, o fim das fronteiras internas deve ser compensado por fronteiras externas inexpugnáveis. À Europa só devem chegar imigrantes que os países desejem, até para “poderem ser bem tratados”. Este é o discurso oficial. Que se ajusta ao estado de espírito de opiniões públicas castigadas pela crise e o desemprego estrutural. Por exemplo, de pouca adianta explicar que não existe qualquer relação entre os níveis de desemprego e o peso dos imigrantes nos diferentes países da União… O medo faz a lei.
A ideia de uma Europa invadida pelos pobres é a imagem que a fortaleza envia aos seus “sitiados”. A realidade é, contudo, bem diferente: a Espanha aceita anualmente 80 mil imigrantes legais do continente americano. Fecha é as suas portas a África. E a Itália faz o mesmo a Leste. Shenghen é a política de imigração à la carte – a África que se dane. Só é boa para imigração ilegal… em tempo de obras.
É a Europa que transforma o Mediterrâneo num muro.
A recente legalização de imigrantes em Espanha não atraiu qualquer nova vaga de subsaharianos a Melilla. Os desgraçados não lêem jornais, nem sabem dessas coisas. O que a gerou foi uma tenaz: do lado espanhol, novos meios de fiscalização marítima tornaram, nos últimos meses, impossível a travessia em barcos de clandestinos; e do lado de Marrocos, a polícia correu com os ilegais de Tânger e dos montes de Bayounesh, nos arredores de Ceuta. Estes dois factores fizeram convergir para Melilla alguns milhares de desesperados que se juntaram às poucas centenas que aí estavam. Rabat calculou bem. O resultado da tenaz foi a pressão sobre Melilla. O drama que se seguiu também estava nos cálculos. A Europa desbloqueou novos 40 milhões de euros para que Marrocos trate da vigilância. Em suma, os sem papéis foram usados e imolados no jogo euro-mediterrânico.
O seu esquema é simples: pagamos a Marrocos, à Tunísia e à Líbia para policiarem fronteiras de “quota zero”. Em troca, assinamos acordos de associação assentes no desarmamento alfandegário. O que até é mais útil para o lado de cá. Quanto a direitos humanos, é um problema deles…