A pobreza só atrapalha
2005/10/19O outro lado da guerra
2005/11/05Nova direita e nova esquerda
Diário Notícias, Opinião
Hoje mesmo, Tony Blair ensaiará a mensagem mil vezes repetida: ou a Europa se adapta à globalização, ou desaparece. Ou é “competitiva”, ou está feita. Este é o ultimatum que quer acelerar as derradeiras privatizações, concluir a desregulamentação dos mercados de Trabalho, e diminuir drasticamente os serviços do Estado social. A ideia é a de que a Europa só pode sobreviver, se usar as armas de americanos e asiáticos. E que a crise actual é culpa de antiquadas criaturas que resistem ao inevitável.
Não há economista do sistema que não elogie o argumento. Ele tem, contudo, dois “pequenos” problemas: na China, a liberalização avança a todo o vapor, porque as populações partem de níveis salariais baixíssimos, e porque há um partido dito comunista que aplica a sua mão de ferro a quem saia da linha. E nos Estados Unidos também avança, porque Washington tem uma política orçamental e monetária expansiva, e exporta para o planeta a sua impressionante divida pública. Na Europa, o preço deste programa de assalto aos direitos, só pode recair, integralmente, sobre os que cá estão. A receita americana e asiática será o canto de cisne da Europa, tal qual existe e pela qual tantos depositaram esperanças.
Tony Blair não se dá, sequer, ao trabalho de fazer aprovar no Conselho Europeu o que quer que seja. Faz o seu número para as televisões, e deixa à Comissão de Durão Barroso as tarefas penosas. Esta, que depende de um acordo para as Perspectivas Financeiras da União, inclina-se respeitosamente. Não percebe, sequer, que Londres se está borrifando para os orçamentos comunitários e para os pequenos países de mão estendida. No Reino Unido, já funciona, em pleno, o modelo americano. Na ilha de Sua Majestade, os trabalhadores protestam contra muitas coisas, mas não contra a directiva Bolkestein, que já lá estava antes do próprio Bolkestein dela se ter lembrado. Nem se insurgem contra a privatização dos caminhos-de-ferro, porque esse comboio já chegou ao destino, de resto em condições deploráveis para os consumidores.
Tony Blair percebeu o que os eurocratas de Bruxelas e os socialistas sabem, mas não têm cara para dizer aos eleitores: que a Europa gripou porque deixou de ter uma força social empenhada na sua construção. Os anos de ouro da Comunidade foram aqueles em que os sectores mais racionais das burguesias nacionais apostaram tudo na criação do grande Mercado interno. Mas hoje essa burguesia, que se fez europeia, já não existe. Mundializou-se. O que sobra na Europa são multinacionais e grandes importadores e exportadores de um lado, e burguesias nacionais que perderam o comboio da globalização selvagem e, receosas do Mundo, se defendem em marcos proteccionistas de âmbito nacional. Quanto ao povo, ele nunca foi chamado à construção europeia.
A crise de liderança da Europa é expressão da ausência de protagonista. É sobre esse “vazio” que emerge a nova direita blairista. E é porque o vazio existe, que os socialistas e sociais democratas podem ter votos, mas não têm políticas. Eles acompanharam a burguesia que os abandonou. E nessa aliança perderam a alma que lhes restava. O seu fracasso é absoluto, mesmo que vençam eleições.
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Enquanto o Conselho Europeu finge que decide, reúne-se em Atenas o Iº congresso do Partido da Esquerda Europeia, a que aderiu o Bloco de Esquerda. Nesta nova formação estão 26 partidos de diferentes tradições anti-capitalistas. De fora, ficaram os partidos que não romperam com o estalinismo, e cuja actuação é essencialmente nacional e soberanista.
O desafio do novo europeísmo de esquerda é o de responder à “asiatização” da Europa e, ao mesmo tempo, contrapor à falência do “realismo” moderado, uma perspectiva de ruptura e refundação da Europa. A resistência em marco nacional, sendo necessária, está condenada. A esquerda precisa de uma alternativa europeia que exprima o novo protagonismo que emergiu nas ruas contra a guerra, e que em diversos países resiste admiravelmente à cartilha do liberalismo económico.
É cedo para dizer se este esforço será bem sucedido. Mas é já um sucesso que tantas esquerdas enterrem sectarismos e divergências passadas, e se disponham à acção em comum. Essa é a exigência dos que lutam – finalmente, a ambição de vencer.