Por terra ocupada
2004/12/01Dois para a dança?
2004/12/09Finalmente!
Diário de Notícias, Opinião
Tarde e a más horas, mas mais vale tarde que nunca.
A primeira lição destes meses não desaparece com o nosso contentamento. Desta, Jorge Sampaio esteve bem. Mas, ao fazê -lo, mostrou como antes decidira mal. Durante quatro meses, o País assistiu ao pesadelo cómico de Santana Lopes. Não era preciso. Por muitos que sejam os nossos pecados, tal expiação dispensava-se…
O que começa torto não se endireita, sabe-o agora o Presidente, mas convém ir à raiz: sucessões dinásticas só funcionam em regimes monárquicos ou ditatoriais. Em sociedades mais abertas e em partidos de confederação de interesses, dificilmente são factor de estabilidade.
A segunda lição respeita ao PSD. «Aquilo» é extraordinário, nem inventado se conseguiria melhor. Em tempos idos, fez Governo com o PS. Quem pagou foi este, quando a mais elementar justiça recomendava a repartição dos ónus. Escapando ao veredicto fatal que caiu sobre o «bloco central», cumpriu-se o primeiro milagre: o PSD partilhava o Governo e conseguia ganhar as eleições contra ele. Agora estava em curso uma operação mais difícil ainda: serem, em simultâneo, o Governo e a sua oposição. O País, entre o divertido e o embasbacado, reviu-se nas diatribes do professor Marcelo e até nos julgamentos de Pacheco. Estava o primeiro ainda a ressarcir-se quando Marques Mendes saltou para o palco. E andava este ainda a rir-se das convulsões que provocara, quando surge Dom Sebastião de Boliqueime, explicando ser tempo de correr com os incompetentes. Como se não bastasse, os imediatos de Santana começaram a atirar-se à água para não irem ao fundo com o barco.
Este filme é o PSD. É como as lapas. Agarra-se ao poder de qualquer modo e sem maneiras. Carta e descarta desde que esteja sempre à tona de água. Mas «aquilo», amigos meus, não é coisa séria. É, simplesmente, o problema maior deste país, a esperteza saloia erigida em razão de Estado.
Perdoem a franqueza, mas o artista principal não é Santana Lopes, um aprendiz de feiticeiro comparado com o professor de ciências ocultas. Já poucos se lembram como Cavaco Silva abandonou. Como, há dez anos, antecipou Durão Barroso. Como deixou o País à beira de um ataque de nervos e o Estado à mercê dos boys.
Há dez anos, a imagem de competência tecnocrática do professor era chão que dera uvas. Agora, ei-la ressuscitada, absolvida. E ei-lo, qual boa moeda, incensado por Vasco Pulido Valente e Mário Soares, que, não tarda, engolirão em seco os elogios que lhe fizeram, só para «chatear o outro». E eis que renasce também Pacheco Pereira, explicando, douto, que a má moeda tem duas faces, Santana e Sócrates. E deste modo, escondendo o óbvio: que a que usa é, também ela, de duas faces…
Nesta ópera bufa, lá se dizem algumas verdades, desde que delas se não tirem consequências de uso próprio. Uma pessoa põe-se a olhar para a sequência de lideranças e, de facto, dá que pensar: Sá Carneiro, Cavaco, Barroso, Santana… ou Mário Soares, Guterres e agora Sócrates… ou ainda Álvaro Cunhal, Carvalhas e Jerónimo de Sousa. Nem sequer estão em causa as pessoas, mas só um cego não vê o que estas linhagens reflectem: o fracasso rotundo de um modelo de modernização. Verdade, não acontece só em Portugal, nem o modelo é nacional, mas imposto. Mas agora o que interessa saber é se a maioria dos eleitores vai tirar consequências – abrindo caminho a um novo ciclo de políticas e protagonistas para o País – ou se em Fevereiro se contentará, uma vez mais, com pouco. Veremos.