Finalmente!
2004/12/02O Nim
2004/12/16Dois para a dança?
Diário de Notícias, Opinião
Durante 14 páginas, 14, José Manuel Barroso respondeu ao Expresso. E durante 14 páginas, 14, conseguiu nada dizer. Mais do que entrar nos anais do mau jornalismo, a entrevista revela o vazio do protagonista que em Julho deixou no País um lindo serviço.
Vale a pena começar por aqui, pela fuga de Barroso. Nada do que agora se está a passar é compreensível sem esse primeiro acto. Com o pior resultado de sempre das direitas e a braços com uma remodelação para a qual só tinha reservistas, agarrou a oportunidade com as duas mãos e voou para Bruxelas. O PSD que se amanhasse e o País com ele.
O segundo acto foi de uma insondável generosidade. O Presidente da República viabilizou uma sucessão dinástica, dando a oportunidade a Santana Lopes. A esquerda revolveu-se tanto quanto a direita se regozijou. E do facto emergiu uma situação nova: o Governo, que dispunha de uma maioria parlamentar largamente minoritária no País, passou a depender da boa vontade de Jorge Sampaio. Não era um Governo de iniciativa presidencial. Mas foi, mais do que qualquer outro, um Governo de caução presidencial. Cada decisão, asneira ou gesto de espalhafato do Governo, não atingia só o primeiro-ministro; caía igualmente sobre o Presidente.
Durante três longos meses, a paciência esgotou-se. O povo, que esgotado já estava, passou a rir-se para não chorar; no PSD, todas as principais figuras de referência já só pensavam em livrar-se da sina que lhes saíra em rifa; e até o interior do santanismo entrou, na recta final, em deriva.
O terceiro acto – a dissolução do Parlamento e a convocação de eleições – foi um gesto que grande parte dos eleitores tradicionais à direita compreenderam: uma simples medida de higiene pública, um alívio, uma prenda de natal.
Jorge Sampaio engendrou um complicado calendário até à explicação das suas razões em público. Com isso deu azo a um dos mais tristes e elucidativos episódios da nossa vida política: um primeiro-ministro revelando em público a sua versão de uma conversa privada com o Presidente. O gesto teve uma única virtude: definir o «sentido de Estado» de Santana Lopes.
Amanhã, Jorge Sampaio explicará o óbvio, com a fleuma de quem levou ao colo o mais trapalhão dos governos portugueses dos últimos 30 anos. Sem prejuízo da elegância presidencial, para mim é claro: Santana Lopes foi despedido com justa causa, por indecente e má figura.
E no mês de Fevereiro, por valores nunca antes verificados, o povo irá confirmar a decisão presidencial. À direita, todos sabem que este é o destino inscrito nos astros.
É isso que leva o PSD, refractário a qualquer aliança pré-eleitoral, a desejá-la. «Se é para ir ao fundo, que vamos todos em ordem unida», pensam os estrategos de Santana. Inversamente, o PP, antes desejoso de casamento, já só sonha com divórcio por mútuo acordo. Na realidade, só se fazem alianças pré-eleitorais para ganhar. E estando Santana Lopes condenado, em Março, o PSD cairá de podre nas mãos de Cavaco Silva. Nesse dia, ninguém duvida, o PP voltará a ser a besta de ocasião na operação de recentragem presidencial da direita.
Logo se verá. Mas, visto da esquerda, só há razões para preferir a clarificação. Em aliança, eles perdem por mais. E em aliança perdem os dois. Acho bem. Principalmente, acho justo.