Isto tem saída
2005/01/22A nova promessa liberal. Semana das 65 horas «salvo disposição em contrário»
2005/02/01Memória de uma Europa ausente
Diário de Notícias, Opinião
A Europa chegou ao momento das grandes decisões. E Portugal também, embora disso não suspeite. Em causa estão seis dossiers dois documentos de estratégia – a ratificação do Tratado Constitucional e a revisão da chamada Estratégia de Lisboa; e quatro instrumentos de política interna – a revisão do Pacto de Estabilidade, a negociação das Perspectivas Financeiras da União para 2007/2013, a directiva de liberalização dos serviços e a alteração do horário máximo de trabalho.
Se a ortodoxia dominante vencer em todos os tabuleiros, o projecto europeu afastar-se-á, por muito tempo, de gente de mais; e as expectativas de as periferias da União convergirem com o centro esfumar-se-ão. Quem quiser discutir seriamente o futuro deste país, é por este pacote que deve começar. Não seria mau que o jornalismo e o comentário, lestos a derramar sentenças sobre a “classe política”, a obrigassem a pronunciar-se sobre as políticas que, de fora, nos “destinam”. O que se joga realmente?
O poder na União, em primeiro lugar. Bem ou mal, o tratado fixa uma arquitectura política cujo centro é o Conselho Europeu e, neste, reforça o poder de voto de um núcleo duro constituído pela Alemanha, a França, o Reino Unido e a Itália. Bem ou mal, a Europa do Tratado fez-se pela medida aceitável por Blair. O eixo franco-alemão e a generalidade dos socialistas e verdes “compraram” esta versão governamentalista da Europa. Dependente da unanimidade dos governos para a sua projecção externa, ela será inexistente se divergente dos EUA; e irrelevante quando alinhada. Mas, ao invés, tem capacidade interna, porque solidamente ancorada na ortodoxia que se traduz na parte económica da Constituição.
Portanto, a competitividade, em segundo lugar. A Estratégia de Lisboa, agora em revisão, é um fracasso absoluto. Atribuída pela propaganda a Guterres, é, na realidade, um produto de Blair e Aznar. Em 2000, ela anunciava que, a dez anos de vista, a União teria a economia “mais competitiva do mundo”… O “desígnio” assentava em quatro pilares – liberalização, conhecimento, coesão e sustentabilidade ambiental – e atribuía aos governos a responsabilidade de lá chegarem. Como era previsível, eles só levaram a sério o primeiro pilar. Os outros não “compaginavam”… nem com a manutenção do Pacto de Estabilidade, nem com a falta de ambição da política orçamental da comunidade. Conhecimento, ambiente e coesão “custam” investi- mento público europeu e pressionam os défices para cima…
A meio do calendário, Barroso em Bruxelas e Sócrates em Lisboa agarram-se a esta estratégia de papel. Não seria pior que falassem verdade.
A liberalização e o pacto têm tido um impacto desastroso sobre o emprego. A revisão deste último, hoje em análise, não mexe na filosofia que lhe preside.
Na realidade, o emprego continua a ser uma variável dependente da estabilidade dos preços. E o mesmo se pode dizer da política orçamental europeia. Seis governos marcaram os limites o Orçamento comunitário para 2007/2013 não pode ir além de 1% da riqueza criada na União, dizem. Apesar de nesta morarem dez novos inquilinos e quatro se encontrarem em fila de espera, a ortodoxia insiste na redução do peso do financiamento europeu aos países. Ora, como não se fazem omeletas sem ovos…
Mas isto não é tudo. Em agenda está o alargamento do horário máximo de trabalho de 48 horas para mais de 65! Onde não existir convenção ou representação colectiva que tal autorize, a asiatização pode fazer-se por mero consentimento do trabalhador individual! Conhecida que é a posição do PSD e do PP – a favor -, que diz José Sócrates? E que dizem, todos, sobre a directiva que na circulação de trabalhadores regula os seus direitos, não pelos do país de destino, mas pelos do país de origem?
Discuta-se por cá o que se quiser. Entretenha-se o povo com crónicas de maldizer. Mas, um dia destes, o “modelo social europeu” será uma história que os nossos pais um dia contarão aos nossos filhos. Assim será, se “governabilidade” e “mudança” não forem mais do que a vã tentativa de moderar este destino.