Memória de uma Europa ausente
2005/01/29UM ANO DECISIVO
2005/02/01A nova promessa liberal. Semana das 65 horas «salvo disposição em contrário»
Artigo publicado no jornal GLOBAL
O QUE SE DISCUTE EM BRUXELAS É A ASIATIZAÇÃO
DO TRABALHO NA EUROPA. EXACTAMENTE O CONTRÁRIO DO QUE É PRECISO: EUROPEIZAR O TRABALHO NA ÁSIA.
Para decisão conjunta do Conselho e Parlamento europeus, encontra- se em debate uma proposta que altera a directiva sobre a organização do tempo de trabalho na Europa, de Novembro de 2003 (2003/88/CE).
Em síntese, a proposta introduz as seguintes “novidades”:
1. Retira do cálculo do tempo de trabalho o “período inactivo do tempo de permanência” no emprego, “salvo disposição expressa em contrário na legislação nacional”. E define aquele como o “período durante o qual o trabalhador está de permanência, mas não é chamado pelas respectiva entidade patronal a exercer a sua actividade ou as suas funções”. Claro, não é?…
2. O período de referência para o cálculo da duração máxima do trabalho semanal – 48 horas por semana – deixa de ser feito por períodos de 4 meses, se os Estados membros, “por razões objectivas ou técnicas ou por motivos relacionados com a organização do trabalho”, decidirem “prolongar este período de referência até 12 meses”, sob “reserva de consulta dos parceiros sociais”. Frise-se: de “consulta”, não de “acordo”…
3. O horário máximo de trabalho das 48 horas passa a poder ser derrogado em duas circunstâncias: quando “expressamente previsto na convenção colectiva ou no acordo celebrado entre parceiros sociais, em conformidade com a legislação nacional”; ou “por acordo entre a entidade patronal e o trabalhador, sempre que não houver convenção colectiva em vigor e que não exista na empresa ou no estabelecimento em questão, uma representação do pessoal habilitada a celebrar uma convenção ou acordo”. Magnânimo, o texto declara que “nenhum trabalhador pode ser prejudicado pelo facto de não estar disposto a efectuar esse trabalho”. Mas como a realidade da desigualdade das relações entre trabalho e capital é a que se conhece, não é preciso ser adivinho para saber que a generalidade do universo das pequenas e médias empresas passaria a poder funcionar no quadro de horários de trabalho invariavelmente superiores ao máximo das 48 horas previstas na directiva.
4. A derrogação do horário máximo das 48 horas – acto que em jargão comunitário se chama opt-out – deixa, com efeito, de ter limites. A proposta de alteração estabelece que “nenhum trabalhador possa trabalhar mais de 65 horas por semana, salvo disposição em contrário em convenção colectiva ou acordo entre parceiros sociais”. Traduza-se: no universo das PME’s um novo horário máximo – o das 65 horas – emergiria como regra. Mas como do cálculo do horário de trabalho desaparece esse misterioso “tempo inactivo de permanência” no emprego, na realidade ele pode ir ainda além do enunciado.
5. Finalmente, e decerto porque ainda estamos na Europa e não na Ásia, a proposta obriga que a autorização do trabalhador seja por escrito, só depois do período de estágio, e fixando o limite máximo absoluto de horas, as quais devem constar de registos de presença… Ah, e que “períodos equivalentes de descanso compensatório” se efectuem “num prazo razoável que não poderá exceder as 72 horas”.
A posição de Santana Lopes
Este pacote é justificado pela cessante Comissão Europeia com a intenção de “apoiar e completar a acção dos Estados-membros” e tem em vista “proteger a saúde e a segurança dos trabalhadores” (sic!). Mal refeito de tanta generosidade, o leitor(a) deve ainda ficar a saber que este esforço para “modernizar a legislação”, visa “a conciliação do trabalho com a vida familiar” (resic!!). E que “a presente directiva observa os princípios reconhecidos, nomeadamente na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia”,
no “pleno respeito pelo direito a condições de trabalho justas e equitativas”…
A proposta foi, entretanto, objecto de pareceres das representações permanentes (Reper’s) dos diferentes Estados. Registe-se a posição do governo de Santana Lopes, então ainda em funções: “aceitação sem reservas dos novos conceitos sobre tempo de permanência e período inactivo do tempo de permanência”; “aceitação da proposta de flexibilização do período de referência” para 12 meses. Até aqui tudo “normal” para um governo de direita. No mais, o governo português bateu-se porque o opt-out com negociação colectiva pudesse ser equivalente a 65 horas e de 55 nos casos de acordo individual. E para compensar tanta generosidade, procurou flexibilizar as condições em que o sobre-trabalho seria compensado com descanso: “face às dificuldades que a maior parte das empresas portuguesas teria de assegurar o descanso compensatório no prazo de 72 horas, este prazo deve ser aumentado para 3 meses”, reza a nossa Reper em Bruxelas.
Sobre as matérias em causa, a Confederação Europeia dos Sindicatos defende “a supressão progressiva” do opt-out; considera que o período de referência de 12 meses para cálculo do horário semanal de trabalho, é “contrária a acordos modernos sobre o tempo de trabalho”; e considera que a definição de “período inactivo do tempo de permanência” é uma medida absolutamente desproporcionada. Como seria de esperar, as confederações patronais sustentam a proposta da comissão e apenas gostariam de a agravar um pouco mais…