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2005/05/12Horário de Trabalho na Europa. A vida não é uma longa jornada de trabalho
Declaração de Miguel Portas na sequência da votação do Parlamento Europeu 12.05.05
O Parlamento Europeu votou favoravelmente o “Relatório Cercas” sobre o Horário de Trabalho na Europa. Foram derrotadas todas as emendas da direita e dos liberais que queriam o chamado opt out, ou seja, o tempo ilimitado de trabalho por simples acordo do trabalhador.
Mas a realidade é que o opt out, na variante do Relatório aprovado, ressuscita pela porta do cavalo. Com efeito, este fixa o horário máximo semanal em 48 horas. Mas admite que seja calculado ao longo de um “período de referência” que pode chegar aos 12 meses, se essa for a vontade do Estado Membro. Por outro lado, o compromisso do socialista espanhol prolonga ainda por 3 anos o opt out, tal qual ele hoje existe. Eis a Europa do esplendor liberal: mais perto da Ásia aqui tão perto.
PORQUE VOTEI CONTRA
No final dos votos, os socialistas e os verdes levantaram-se aplaudindo os resultados da votação. Todas as emendas apresentadas por liberais e direita mais retrógrada, haviam sido rejeitadas ao longo das 53 votações de especialidade. Naquelas cabecinhas, o “modelo social europeu” tinha sido defendido contra a ofensiva dos liberais. Verdade? Nem tanto e provavelmente nem por sombras.
A mecânica da decisão
Desde logo, o voto no Parlamento Europeu não é decisivo.
Quer na Europa de Nice, quer na do Tratado Constitucional, a política relativa às condições de trabalho (artigo 210) é da competência do Conselho e tomada por unanimidade. O voto de hoje foi uma mera consulta.
Agora, o campeonato prossegue onde se decide. E onde o Reino Unido tem a faca e o queijo na mão.
Por outro lado, o Tratado que se encontra em processo de ratificação, no seu capítulo de Direitos Fundamentais apenas diz (artigo 91) que “todos os trabalhadores têm direito a uma limitação da duração máxima do trabalho e a períodos de descanso diário e semanal, bem como a um período anual de férias pagas”. Para acrescentar, no já citado artigo 210, que a lei-quadro aplicável ao Trabalho “pode”, quando muito, “estabelecer prescrições mínimas aplicáveis progressivamente”. Traduzindo: qualquer directiva que fixe um mínimo de horas de descanso e um máximo de horas de trabalho, é constitucional, mesmo que bárbara.
Os socialistas não têm, portanto, muito por onde sorrir. O pior está para vir e não é o Tratado que o vai impedir.
A primeira variante do opt out
A directiva ainda em vigor data de 1993 e, na sua formulação, é contraditória.
Por um lado obriga a um mínimo de 11 horas de descanso por dia o que, no limite, admitiria 13 horas de trabalho diárias… Por outro lado, fixa em 48 horas o horário máximo semanal, embora atribua a cada Estado Membro a fixação do limite em concreto, admitindo (artigo 22º), a possibilidade de, simplesmente, o tecto restritivo de 48 horas não ser cumprido. Ao abrigo das legislações nacionais…
Eis a primeira variante do opt out, na sua versão hard. Cada um faz o que quer. É por isso que, de acordo com um relatório da própria Comissão Europeia, 4 milhões de britânicos trabalham em média mais de 48 horas e 1 milhão e meio ultrapassam as 55 horas. O Reino Unido encontra-se, já se sabe, na pole position dos defensores do trabalho ilimitado.
As associações patronais, em particular o comércio, defendem esta variante típica do século XIX. Em seu favor, usam três gamas de argumentos:
O mais extraordinário sustenta que o trabalhador deve ter a liberdade de decidir sobre o seu próprio tempo de trabalho. E que, em consequência, determinar horários máximos “é restringir a liberdade individual”. O responsável por esta pérola de hipocrisia, chama-se Chris Davies, liberal democrata inglês.
O segundo é prosaico e realista: se a Europa perde terreno na competitividade, não há outro remédio senão desregulamentar tudo o que se possa…
Finalmente, existe ainda o argumento dos “pragmáticos” dos países periféricos, que defendem o opt out, em nome dos pobres. Trabalhar sem limites é o modo que têm de levar para casa dinheiro suficiente para comerem.
Esta primeira variante do opt out, até agora possível por legislação nacional, é generalizada na proposta de alterações que a Comissão apresentou em 2004. Se acabar por vingar, o trabalho até às 65 horas passa a depender de negociação colectiva ou, na sua ausência, de simples acordo entre empregador e empregado. Onde antes o opt out era uma opção nacional, passaria agora a ser a escolha europeia.
Estas propostas foram derrotadas, todas, na votação parlamentar de hoje. Toda a esquerda do hemiciclo votou contra elas e uma parte substancial dos liberais e do PPE também.
Porquê? Porque ninguém gosta de ficar conhecido na Europa como co-responsável por horários diários de trabalho de 13 horas, sábados incluídos… E porque o mesmo objectivo – a perda de controlo do trabalhador sobre o seu horário – pode ser obtido de forma muito mais inteligente e “moderna”…
O novo opt out de variante combinada
A nova proposta da Comissão agrava a Directiva actualmente em vigor porque abre duas novas caixas de pandora:
A primeira, quando distingue entre Tempo de Trabalho e “período inactivo do tempo de permanência” no lugar de trabalho. Com esta subtileza, Bruxelas retira o tempo dito “inactivo” do cálculo do tempo de trabalho, “salvo disposição em contrário” nas legislações nacionais. Pode, portanto, a Comissão sustentar que o horário máximo semanal é de 48 horas, admitindo derrogações “apenas” até às 65 horas, que é mentira. Na realidade, por esta via sinuosa, ela autoriza que o trabalho se aproxime das 70 e mais horas num domínio razoavelmente vasto de actividades profissionais (saúde e transportes são apenas dois dos exemplos mais óbvios).
Esta operação recebeu, no voto, apenas uma derrota parcial. Perderam os que queriam a formulação da Comissão; ganharam os que consideram o “período inactivo” como tempo de trabalho, mas admitem que este seja objecto, a nível nacional, de formas particulares de contabilização. E, obviamente, perderam os trabalhadores porque aqui se abre uma verdadeira janela de oportunidades para o patronato.
A segunda alteração, decisiva, que a Comissão introduz, respeita ao “período de referência” em que o horário máximo semanal de 48 horas é avaliado. Na directiva em vigor, esse cálculo fazia-se de 4 em 4 meses. Agora, a Comissão propõe que essa referência se mantenha, mas que possa ser estendida para 12 meses.
Este é o compromisso principal que o Relatório Cercas aceita e que, a todos os títulos, representa a reentrada do opt out pela porta do cavalo. Bem pode Alejandro Cercas garantir que o opt out à século XIX acaba três anos depois da entrada em vigor da nova Directiva, que ele reemerge, legitimado, no “período de referência” que serve de base para saber se as 48 horas estão a ser cumpridas. Eis o opt out à século XXI: anualmente, não se pode trabalhar mais de 48 horas por semana. Mas este valor, de máximo passa a média, onde não exista representação sindical ou a contratação se encontre bloqueada.
É por aqui, pelo universo do trabalho nas pequenas e médias empresas e estabelecimentos, onde impera o trabalho precário, em regra mais desqualificado e atomizado, que entram as normas asiáticas e norte-americanas de trabalho.
E é por isto que o Relatório não podia merecer o meu acordo ou condescendência. O relator, que muito justamente critica a Comissão de “suprimir as prescrições” que se previam na Directiva ainda em vigor, acaba por ceder no essencial: troca o fim do opt out à antiga (diferido de 3 anos) pela afirmação de um opt out à moderna. Com este “melhorismo” perdem os de sempre.