Dois para a dança?
2004/12/09Nós e a Europa (1)
2004/12/23O Nim
Diário de Notícias, Opinião
Da janela do meu gabinete em Estrasburgo vejo dezenas de militantes da Frente Nacional, de Le Pen, enfaixados e embandeirados, manifestando-se contra a decisão do dia o apoio do Parlamento Europeu ao início das negociações para a adesão da Turquia à União Europeia.
Não é difícil descortinar o rol de razões desta extrema-direita.
Primeiro, os franceses, claro. Tudo por eles e nada contra eles. A Turquia é um país grande e atrasado e só pode prejudicar os que já cá estão.
Além disso, a Turquia é um país muçulmano e a Europa deve defender a sua cepa cristã.
E a Turquia é asiática e a Europa não deve ter a pretensão de entrar pela terra dos bárbaros. Em bom rigor, nem os deveria receber como imigrantes.
Não há novidade nos argumentos do fascismo popular. A novidade é que, desta vez, eles penetram em profundidade nas elites políticas europeias.
Com efeito, uma vaga de Nins percorre a maioria das direitas e alguma esquerda. Ontem, os soberanistas ainda tentaram vencer recorrendo ao voto secreto. Tinham a esperança de que, a coberto do anonimato, se verificasse uma deserção em massa nas hostes do principal grupo da direita, o PPE, e em alguma esquerda nacionalista. As contas saíram trocadas, mas 262 eurodeputados em 669 responderam ao apelo.
Quanto aos governos europeus, darão o Sim, mas com reserva mental. Boa parte tem, aliás, a firme intenção de adiar para a eternidade uma decisão final sobre a adesão propriamente dita. Mas por agora não podem evitar o começo do jogo.
Com efeito, a Turquia pediu a sua associação à CEE em 1959. Era dirigida por militares, mas isso não impediu a CEE de assinar, em 1963, um acordo de associação. Ou de, em 1995, subscrever um acordo aduaneiro. O reconhecimento da Turquia como candidata ocorre em 1999 e a fixação das condições de adesão em 2002. Por outras palavras, a União deu a sua palavra. Nem pode invocar razões políticas sólidas. A Turquia deu passos muito significativos no sentido da democratização, desde que o horizonte da adesão entrou na sua agenda. E as organizações de direitos humanos que actuam no terreno são unânimes a democratização deste grande país está associada à perspectiva da adesão.
A resolução aprovada no Parlamento exige da Turquia o que não se exigiu a mais ninguém. Chega a impor como condição a proibição legal da violência doméstica, o que, sendo justíssimo, em Portugal ocorreu 15 anos depois da adesão…
Para compreender o que estava em jogo, desloquei-me ao Curdistão turco. Regressei com a certeza de que a estrada existe.
A Turquia precisa de uma nova Constituição, de submeter os militares às regras da democracia, de proclamar uma amnistia que permita o retorno dos guerrilheiros às suas casas e o apoio aos camponeses que desejem regressar às aldeias que o exército queimou durante o período da lei marcial. E a Turquia precisa ainda de reconhecer os direitos culturais, políticos e económicos de curdos e circassianos. Nada disto é particularmente difícil. E a troca de democracia e direitos humanos por integração económica e social é uma grande escolha, infinitamente superior à lógica do «choque de civilizações» e suas guerras preventivas.
Dir-me-ão que a Turquia na Europa exige mudanças na própria Europa. Claro. Mas estas são indispensáveis, com ou sem Turquia. Se por causa dela se tornarem evidentes, eis o que ainda teremos de agradecer a uma Turquia democratizada.