Uma semana depois, o dia seguinte
2005/02/26Líbano: Quando os cedros tomam a palavra
2005/03/01MIOPIA
Editorial do jornal GLOBAL
Conheci Giuliana Sgrena nos idos de 90, no seu jornal de sempre, o il Manifesto. É difícil imaginar jornalista mais discreta e dedicada às histórias das pessoas a que dava alma e rosto por esse mundo. A última vez que a vi em Roma, estava de regresso do Afeganistão. Ela andava sempre pelos lugares proibidos ou esquecidos do Mundo. Tinha que ir para o Iraque. E em Bagdade nunca se ficaria pela segurança relativa de um hotel.
Quando foi raptada, fazia uma reportagem sobre os refugiados de Falluja. Tal como Florence Aubemas, de outro jornal da minha geração, o Libération. Giuliana foi resgatada, Florence ainda não. Mas a felicidade que invadiu a redacção do il Manifesto não durou 5 minutos. O resgate custou a vida a um herói, Nicola Calipari, um agente dos serviços de informação italiano que já tinha intervido, meses antes, na libertação de duas voluntárias italianas de associações de paz e solidariedade. Chamo-lhe herói. O seu trabalho era tão perigoso quanto o de uma jornalista de guerra que nunca quis alienar a sua independência acolhendo-se à protecção dos exércitos. Ele cumpriu a primeira parte da missão – retirar a jornalista ao grupo que a raptara. E morreu a cumprir a segunda – garantir que ela apanhasse o avião de regresso. Morreu porque o “fogo amigo” disparou contra a viatura da salvação. Uma vez mais, foram os “libertadores” quem matou. Pode a ingenuidade querer colocar mais este drama na conta dos “ossos do ofício” ou da falta de comunicações entre serviços secretos – o fogo contra a viatura partiu de um check point norte americano nas proximidades do aeroporto. Mas desde o início da guerra do Iraque já perderam a vida 150 jornalistas e parte substantiva, garantem os Repórteres Sem Fronteiras, pereceram às mãos, não dos seus raptores, mas dos auto-proclamados libertadores. Na verdade, há um padrão: o exército dispara primeiro e pergunta depois; o ocupante, tanto como os terroristas, não quer no Iraque jornalismo independente; e Bush não quer que os Estados negoceiem com os raptores o resgate dos seus cidadãos, até porque “com terroristas não se fala”. Há um padrão. O padrão das guerras de ocupação. Só não vê quem mesmo não quer ver.