‘Marcas de Sangue’, ‘Colisão’: vidas danadas
2005/09/17Ilha no epicentro do vazio
2005/10/01E que tal um polícia na cama?
Diário de Notícias, Opinião
Passaram 250 anos sobre o terramoto de Lisboa e vale a pena convocar esta tragédia para a actualidade. Todos os cientistas sabem que, mais tarde ou mais cedo, outro sismo de proporções assinaláveis se abaterá sobre Lisboa. Sabem até que essa inevitabilidade se aproxima a cada dia que passa. E que parte do edificado dos bairros antigos, de população empobrecida e idosa, não resistirá a um sismo de grau elevado. Mutatis mutandis, esta catástrofe está tão inscrita nos astros quanto a ruptura dos diques em Nova Orleães. E como aqui, as nossas ciência e protecção civil têm um vasto repositório de medidas para prevenir o inevitável. Nenhuma das cidades estava preparada. Lá, porque a filosofia dos poderes públicos é o “safe-se quem puder”. Cá, porque as prioridades são outras e a cultura nacional é porreirista.
Vem esta introdução a propósito da abordagem dos problemas da segurança das pessoas. O maior problema de segurança da região de Lisboa é sísmico. Dedicar recursos técnicos, humanos e financeiros a uma estratégia de prevenção, reparação e reabilitação com objectivos precisos faseados no tempo é de elementar bom senso. Mas nada disto se lê nas candidaturas que decidiram “investir” na segurança. A preocupação é, invariavelmente, polícia e videovigilância. Dos amanhãs que trate o Altíssimo…
Ainda anteontem Jorge Coelho dedicava a sua coluna a uns quantos lugares-comuns sobre o poder local. Como nos candidatamos à mesma assembleia municipal, o melhor é trocar por miúdos. A sua candidatura fez chegar às caixas de correio um info-mail que pergunta na folha de rosto “Sabe quantos polícias municipais temos em Sintra?” E respondia em letras garrafais – “34” – para concluir triunfante: “Nós propomos mais 136.”
A primeira pergunta é o que leva o PS a fazer da segurança – ou seja, do medo – a principal prioridade da sua campanha? E a enunciar como medida emblemática o aumento de um corpo municipal que trata de feirantes, mas não de policiamento público?… A primeira explicação vê-se da IC19. Em Sintra, os socialistas não podem falar de urbanismo. Por isso falam do que podem. As responsabilidades da rosa no caos urbanístico são tais que até Fernando Seara, o candidato do PSD, pode escrever aos eleitores que, com ele, “foi possível travar o betão”… É falso. Mas soa a verdadeiro depois de Edite Estrela.
A segunda explicação, aparentemente mais benigna, é sintomática dos dias que correm. As campanhas dos maiores partidos são desenhadas por profissionais de comunicação que tanto trabalham para uns como para outros. Tudo começa numa sondagem idiota onde se pede ao eleitor que ordene preocupações numa lista que lhe é dada. A segurança surge nos primeiros lugares. Se na noite anterior os telejornais dedicaram meia hora a um caso de polícia, é até provável que os entrevistados lhe dêem a pole position. A partir daqui, os políticos são responsáveis ou irresponsáveis. Os primeiros sabem que campanhas centradas na segurança só alimentam o sentimento de insegurança; os segundos dizem aos eleitores o que o medo gosta de ouvir. E aí a cadeia de asneiras entra em marcha. Mais ou menos assim
Político – rapazes, o nosso alvo é a segurança.
Publicitário – para ser credível, isso implica pôr polícias nos outdoors e no info-mail.
Político – Mas olhe que a PSP é com o Governo…
Publicitário – E não há por aí outros polícias que se possam usar?
Político – Por acaso até há os municipais. Mas esses não policiam…
Publicitário – Ó “sôtor”, isso é um pormenor. Se quer ganhar eleições, essa polícia serve perfeitamente. Quantos municipais, ou lá o que é, é que há em Sintra?
(Os políticos vão aos dossiers e respondem: 34. E acrescenta um deles: em Lisboa havia muito mais.)
Publicitário – Então é simples. Só temos que materializar. Multiplicamos por quatro e dá um lindo número. 136.
Político – Espere aí, não é 126, mas 136… mas ficamos em 126, é menos eleitoralista.
Se não foi assim, podia ter sido. E sobrou ainda a cereja no bolo. Alguém convenceu João Soares a dizer à TSF que, conhecendo António Costa, e vivendo este em Sintra, isso ajudaria a resolver de forma expedita as carências de polícia… Diga-me lá uma coisa, Jorge Coelho acha mesmo que a tentação de provincianismo pacóvio só existe lá para as bandas de Felgueiras, Gondomar ou Amarante?