Revolta e insucesso em Paris
2005/11/19O outsorcing
2005/12/03Aldrabice
Diário de Notícias, Opinião
É o mínimo que se pode dizer da pergunta sobre a chamada Constituição Europeia. Não é preciso ser bruxo ou particularmente elaborado para saber que só existe uma pergunta razoável: «Deve Portugal ratificar o projecto de tratado que institui uma Constituição para a Europa?» Fácil, não é? Pois parece que não.
PSD, PS e PP quiseram arrevesar e saiu aquela coisa extraordinária: «Concorda com a carta de direitos fundamentais, a regra das votações por maioria qualificada (uff), e o novo quadro institucional da UE, nos termos da Constituição para a Europa, (cof, cof)?»
A primeira reacção é de hilaridade. Três perguntas numa só e sem que dela(s) se possa, sequer, tirar uma consequência política indiscutível. Devem estar a gozar connosco, pela certa.
A seguir vem a indignação. Porquê aquelas três? Porque são mais importantes que outras igualmente suscitadas pelo tratado? Porque é a carta de direitos fundamentais – para os quais não há instrumentos de política social – mais importante do que a estratégia de defesa, que inclui o aumento das despesas militares? Porque é a maioria qualificada mais importante do que o controlo democrático do Banco Central Europeu ou a proibição de emissão de dívida pública, sem a qual a União não tem que chegue para as necessidades de uma Europa a 25? E, finalmente, o que é o «novo quadro institucional»? Só a arquitectura dos poderes ou também a ausência de competências na saúde, na educação ou na cultura, matérias de exclusiva responsabilidade dos Estados?
Há um ano, antes de o tratado ter sido rubricado pelos governos, ainda era possível encontrar um leque consensual de questões parciais relevantes para a posição portuguesa. Nessa altura, perguntas parciais ajudariam o Governo a orientar a fase final de negociações. Mas… há exactamente um ano os partidos que agora inventaram esta esdrúxula pergunta chumbaram o contributo do Bloco nessa direcção. Ora diziam que não se podiam referendar tratados, ora que só depois de assinado se justificaria a consulta…
Também por isto a indignação. PSD, PS e PP reviram a Constituição em Abril e não quiseram retirar a cláusula que proíbe o referendo ao tratado. Nem agora o fizeram e ainda podiam. Com isso evitariam este lindo serviço: uma pergunta que, além de capciosa, é um apelo directo à abstenção. Será que não enxergam? Ou enxergam de mais e o que querem realmente é ficar de mãos livres para uma mera ratificação parlamentar?
Se em Portugal se prepara uma comédia de democracia, em Kiev joga-se a sua sobrevivência. Por lá, não tenho voto, nem candidato. Mas já vi aquele filme: o «vencedor» perdeu e o povo, contra a chapelada eleitoral, defende quem ganhou. Estou com a rua. Prefiro um mau Presidente eleito a outro que só vence na secretaria. As pessoas devem ter o direito de tirar a experiência das suas escolhas. A democracia é, também, essa maioridade.
Vejo as imagens na TV e antevejo a ansiedade nos rostos dos comunistas portugueses. Por isso lhes gostaria de dizer que na Ucrânia não cai o último comunista, mas a sua caricatura pró-russa. Putin diz que os resultados no Afeganistão não foram mais credíveis do que os de Kiev. Pois não. Mas a sua conclusão é a de um czar – com batota, o mundo fica melhor. Eu acho precisamente o contrário. E por isso critico também os dois pesos e duas medidas que a Europa continua a revelar. Como é possível apoiar a rua de Kiev e, no Iraque, legitimar a vergonha das eleições que se avizinham?