Nós e a Europa (2)
2004/12/30Curdistão turco. Onde a democracia rima com Europa
2005/01/01A ESQUERDA E A TURQUIA
Editorial do jornal GLOBAL
A seguir à I Guerra Mundial, o Império otomano finou-se e o que restava do exército, sob comando de Kemal Ataturk dirigiu uma revolução que teve, desde o início, os seus olhos virados para a Europa.
Sem Império, sem qualquer antecedente nacional, e a braços com tentativas de invasão, os revolucionários inventaram a ferro e fogo um país que nunca existira a Turquia. Inventaram-na num extenso território multicultural, reescrevendo uma história mítica, inventando um alfabeto ocidental, dando direito de voto às mulheres e liquidando as instituições políticas e religiosas do antigo califado. Contra o atraso e o conservadorismo, os “jovens turcos” foram radicalmente laicos e estatistas.
O lado negro desta revolução que começou progressista e modernizadora, abateu-se, entre outros, sobre os curdos. O novo Estado “nacionalizou-os”, negando-lhes o direito à língua e ao auto-governo. O que fi zeram turcos, repetiriam os nacionalistas pan-árabes na Síria e no Iraque. E no Irão. Os povos das montanhas do Tigre e do Eufrates eram os perdedores da emergência dos Estados nacionais no Crescente Fértil.
Perdedores, resistiram. Na Turquia, o PKK é a expressão nacional dessa luta que assumiu, até 1999, a forma de conflito armado. Nesse ano, o PKK além de declarar o cessar fogo unilateral, admite, pela primeira vez, que a nação curda viva no quadro de outros Estados, com direitos culturais e políticos reconhecidos.
A esta grande mudança não é estranho o contexto internacional. Um Estado Curdo é, nos tempos que correm, prenda que ninguém deseja… Mas também não é compreensível sem essa outra grande mudança, a que se prende com a transição da Turquia para a democracia em nome de um horizonte europeu. Hoje, a vontade unânime de todas as oposições democráticas e laicas é a de favorecerem esse processo e o tornarem irreversível. Estão disponíveis para trocar a independência por democracia e direitos humanos.
Também isto se jogava no voto sobre o início das negociações. Nós dissemos Sim, o PCP absteve-se. E nunca invocámos a geografia ou divagámos sobre o peso da Turquia em fundos comunitários. Porque se o nacionalismo é sempre um cancro, no comunismo é a sua doença senil.