Diário de Notícias, Opinião, 30.12.04
Na coluna da semana passada assinalei os três domínios onde a política europeia limita drasticamente um novo ciclo de políticas nacionais de mudança a magreza das Perspectivas Financeiras da União para 2007/13; as propostas de directivas sobre o horário de trabalho e a liberalização dos serviços públicos; e o Tratado Constitucional.
Poderia ter acrescentado uma quarta: a primazia da luta antiterrorista sobre o combate à fome e à doença.
Sobre as quatro vertentes referidas, o PS, em nome do Governo conjunto da Europa com as direitas, não porá em causa nem o Tratado nem as Perspectivas Financeiras actualmente em negociação; vincando embora algum europeísmo, não irá alterar as actuais prioridades mundiais da União, que a amarram ao atlantismo; e quanto às directivas, só é lícito esperar alguma resistência em relação à que asiatiza o mercado de trabalho europeu – e isto se o PS não ganhar com maioria absoluta.
Percebe-se, assim, que a política europeia obriga as esquerdas a apresentarem-se separadamente às eleições. E o que está em jogo impossibilita quaisquer coligações de governo. As coisas são como são.
Hoje, o PS é uma força comprometida com o pior do mainstream europeu.
E esse posicionamento condiciona estrategicamente a capacidade reformadora de um futuro Governo saído do Largo do Rato.
Não é a entrada do BE ou do PCP nesse Governo que poderia alterar as coisas.
Tal convergência pressuporia, no mínimo, um Governo disposto a lutar na Europa… por uma Europa mais democrática e com políticas sociais, perspectiva que não é, sequer, partilhável por um PCP basicamente soberanista.
A Europa do PCP é uma Europa de nações representada por governos de igual poder de voto e sujeita à regra da unanimidade permanente. Entre isto e Europa nenhuma, descubra as diferenças…
A política tem que se fazer com os pés assentes no chão.
De momento, as diferenças na esquerda, quanto às políticas decisivas, são de natureza qualitativa. Não faz qualquer sentido passar a vida a vituperar o PS e, ao mesmo tempo, afirmar a disponibilidade para «assumir responsabilidades num futuro Governo» – como insiste o PCP.
Pedir ao PS que deixe de ser o que hoje é, é tão piedoso quanto pedir ao PCP que mude.
Essa conversa de surdos só faz crescer sectarismos e autojustificações, prejudicando o essencial a formação de maiorias sociais e políticas para algumas mudanças, pontuais mas importantes, de políticas nacionais.
A esquerda em que me reconheço não está condenada ao papel de pedinte sectária do que o PS não tem para dar. Está, isso sim, obrigada a apresentar um conjunto coerente de propostas para um novo caminho que possa, por via social e legislativa, fazer maiorias para que um novo ciclo de decisões políticas se intrometa no continuísmo das políticas velhas. Para que se abra um tempo onde os movimentos sociais alcancem vitórias que levem as pessoas a acreditar de novo nas suas próprias forças.
Na oposição, portanto. Mas com capacidade para disputar as políticas que podem melhorar o ambiente do País e as vidas dos mais carenciados. Afinal, se a Europa do Pacto de Estabilidade é um colete-de-forças, não é ela que impede uma reforma fiscal decente. Ou que o aborto seja descriminalizado. Ou que a GNR saia do Iraque. A lista, como se vê, pode ser razoavelmente extensa…