Curdistão turco. Onde a democracia rima com Europa
2005/01/01A prioridade
2005/01/13O CALVÁRIO
Diário de Notícias, Opinião
Com ódio, os sacerdotes de Tutankamon destruíram Tell al-Amarna, a cidade de Akenaton e Nefertiti e, ao longo de todo o Nilo, picaram as imagens do herético casal de faraós que, anos antes, instituíra o culto monoteísta a Aton, o deus solar.
Bem mais tarde, ainda no Egipto, as picaretas regressariam. Os monges de Alexandria, após a imposição do cristinianismo como religião oficial do Império Romano, subiriam o Nilo, danificando as imagens dos antigos deuses do grande rio.
A moda pegou. No século XX, redescobrimos o vício na União Soviética, quando Estaline decidiu limpar Leon Trotski da fotografia. Este revolucionário adquirira, ao que parece, o péssimo hábito de aparecer amiúde ao lado de Lenine… E o «pai dos povos», antes de o mandar executar, tentou irradiá-lo da memória colectiva.
Estes exemplos, entre tantos outros, definem um padrão comportamental. Mesmo em Portugal, à esquerda e à direita – e à nossa escala -, teve os seus adeptos.
Lembro-me de que o PCP se esqueceu de Francisco Martins Rodrigues na lista dos dirigentes que participaram na célebre fuga da prisão de Caxias; ou que o CDS/PP, atacado de amnésia, achou elegante omitir Freitas do Amaral das figuras que dirigiram o partido.
Matéria conhecida, portanto. O que ainda se não conhecia – até anteontem – é que alguém da fotografia se quisesse dela eclipsar. E que o tenha feito, não por arrependimento, mas por falta dele.
O episódio do outdoor dos «cinco magníficos» marca um ponto sem retorno. O professor Cavaco disse ao eleitorado laranja que quem esteja com ele para Presidente da República não deve estar por Santana Lopes nas legislativas. A sua decisão não é mais um «obstáculo», como a definiu o abatido primeiro-ministro-demitido-mas-ainda-em-exercício.
Com o seu gesto, o professor de Boliqueime deu uma dupla indicação de voto. Os que o quiserem em Belém ficam a saber que só terão homem se Santana perder. A 20 de Fevereiro no País e a 21 no partido. Um dos dois está a mais, portanto.
O primeiro dos fugitivos da contemporânea política portuguesa fez a coisa com a mais fina das maldades – explicando que a sua presença no cartaz prejudicava «as actividades académicas»!!! Por outras palavras, que nenhum dos seus pares e nenhum dos seus alunos o respeitaria se aparecesse ao lado de uma criatura a quem ele não reconheceu, no passado, competência para mais do que uma secretaria de Estado.
A campanha de Santana Lopes já está a ser uma via dolorosa para o calvário, antes mesmo de começar. De facto, os barões não querem apenas a sua cabeça numa bandeja. Ou que apenas perca por muitos. Querem, isso sim, enterrá-lo vivo. Querem atirá-lo para um destino do qual não possa mais regressar. No fundo, eles acham que o lugar de Santana, depois do calvário, é na «quinta das celebridades», parte III. Aí sim, estaria bem. O sentido profundo da tampa do professor é cristalino da fotografia deve desaparecer, para sempre, a figura do lado, a que nunca nela devia ter surgido.
Não me imagino a desejar tal sorte ao pior dos adversários, mas o PSD é mesmo assim. Só o compra quem quer. E, depois do que têm feito a este país, é difícil não descortinar uma réstia de justiça divina neste desvairado caso que antecede a noite das facas longas.
Não há, por isso, razões para recear qualquer ressurreição do PSD nestas eleições. Disso trata Boliqueime. Sinceramente, o único risco que o País corre é que o PS se ponha a dizer o que quer…