O CALVÁRIO
2005/01/06Isto tem saída
2005/01/22A prioridade
Diário de Notícias, Opinião
Infelizmente, à catástrofe do tsunami asiático outras se seguirão. Porque a natureza tem vontade própria. E porque o capitalismo introduz uma lógica predatória da natureza, que agrava as consequências destrutivas das catástrofes.
Poucas vezes uma tragédia natural ilustrou tão bem a urgência de um novo modelo de desenvolvimento – mais equilibrado entre Norte e Sul; mais respeitador da natureza e dos obstáculos que ela mesma ergue à sua violentação; e mais razoável na exploração turística das regiões costeiras.
As sucessivas visões do apocalipse nas televisões iluminaram, contudo, o outro lado desta humanidade tantas vezes irresponsável, ou simplesmente desinformada: uma espantosa cadeia de solidariedades. É daqui que a política deve partir. Do exemplo. E exemplarmente.
Alguém disse, com razão, que esta tragédia deveria ser o 11 de Setembro para os pobres do mundo. Ou seja, que os poderes mundiais, e em particular a Europa, não podem continuar a destinar à segurança e ao combate antiterrorista milhares de vezes mais do que o que destinam à prevenção e ao combate à fome e à doença. É disto que agora se trata. Ou deveria tratar.
A Comissão Europeia iniciou bem a sua resposta à tragédia. Em poucos dias libertou 23 milhões de euros para as primeiras operações de ajuda humanitária. E na próxima terça-feira espera-se a confirmação de uma segunda tranche de cem milhões de euros.
Entretanto, a Comissão adiantou o compromisso de outros 350 milhões de euros para a fase que segue à ajuda humanitária a reconstrução.
Aqui começam os problemas. Feito o anúncio, ficou-se a saber que 200 desses milhões precisam da confirmação, incerta, do Conselho dos 25. E que 150 milhões serão reprogramações de investimentos de cooperação já antes decididos para a Ásia. Ou seja, «dinheiro velho». Durão Barroso explicou que isto permite a sua libertação rápida. Mas há todas as razões para recear que se tape de um lado o que se vai destapar de outro. E não só.
O último Conselho recusou uma proposta do comissário Louis Michel para aumentar o objectivo financeiro das ajudas ao desenvolvimento. Por outro lado, os países ricos não quiseram ir além de uma moratória sobre a dívida externa dos países atingidos pelo tsunami. É inevitável a comparação no Iraque, eles perdoaram 80 por cento da dívida… Porque terão os países da tragédia que pagar mais em juros da dívida do que o que receberão para acções de reconstrução? Porque será que nem ante a maior das tragédias, a culpa dos ricos deixa de ser avara?
Não colhe o argumento da escassez de recursos. Porque a Europa pode ter melhores prioridades; e porque é possível encontrar novos recursos. Em escala mundial ou europeia, pode destinar-se ao objectivo do combate à fome e à pobreza uma taxa marginal sobre as transacções financeiras. No limite, até sobre o comércio de armas, como sugeriram Lula e Chirac…
Por outro lado, há investimentos que são poupanças. Uma força europeia de protecção civil, de resposta rápida, pode ajudar a prevenir além de remediar. Articulada com os sistemas nacionais de protecção e com a experiência das ONG, impulsionando sistemas de educação, formação e informação, pode ser o contributo maior da Europa para os esforços de coordenação multilateral da ONU em situações de tragédia. Por aqui, por um peace corps – e não pelo aumento das despesas militares -, passa também a ambição de um projecto europeu que se queira útil ao mundo.