A prioridade
2005/01/13Memória de uma Europa ausente
2005/01/29Isto tem saída
Diário de Notícias, Opinião
O défice do Estado, os famigerados três por cento, transformou-se no alfa e ómega da campanha eleitoral. Ainda bem.
Assim, a insanidade que assolou o pensamento da ortodoxia económica confrontar-se-á com as realidades da vida.
A 20 de Fevereiro, os portugueses despedirão, com justa causa, o Governo. Isso é certo.
Resta saber se o Governo seguinte vai, em nome do défice, continuar a adiar o País. Ou se isto leva uma volta, porque as pessoas não comem défice.
Por causa do dito, Vítor Constâncio declara ser necessário apertar ainda mais o cinto; Santana Lopes afinal já não baixa os impostos; o PS também não, nem repõe os benefícios aos PPR; e João Salgueiro diz que é preciso aumentar os impostos e cortar drasticamente nas despesas.
Neste último particular, todos parecem estar de acordo. Todos? Todos não. Aldeias gaulesas resistem ao invasor…
É verdade que uma delas é milagreira. Acha que se podem somar todas as reivindicações sindicais, baixar o IVA em dois pontos e o IRS de quem trabalha e ainda aumentar as pensões e colocar o País a crescer 4 por cento ao ano… aumentando o IRC.
É capaz de não ser bem assim, mas o simplismo do PCP é bem menos grave do que o remédio da outra ortodoxia.
Coloque-se o dedo na ferida.
É o défice a urgência maior deste País?
Não é.
A urgência maior é o desemprego que se abateu sobre este país como um vendaval.
E o problema decisivo é o esgotamento de um modelo de desenvolvimento, velho de 20 anos de idade, e que teve como beneficiários quase exclusivos a construção civil e o sector financeiro.
É a estes problemas que a política orçamental deve responder. O défice do Estado não pode continuar a ser o objectivo da política económica.
Esta a diferença, irremediável, entre a esquerda e o “sistema”.
Esta a opção a que a ortodoxia social-liberal do PS dá uma resposta errada. Uma resposta demasiadamente parecida com a de Manuela Ferreira Leite ou a de Bagão Félix…
Telegraficamente, afirmo que o trabalho não é uma variável dependente da economia.
A criação de emprego qualificado e uma revolução no sistema de formação profissional, nomeadamente com a criação de um 10.º ano de escolaridade nas empresas, devem ser a prioridade da política orçamental.
Mil milhões de euros devem ser consignados a estes objectivos já em 2006.
Eles devem apoiar o sector privado que aposte na modernização qualificante; e devem financiar a criação de emprego público onde manifestamente ele falta nas florestas e no ambiente; na investigação científica; nos sistemas de fiscalização, segurança alimentar e combate à corrupção e evasão fiscais; e na saúde, onde o que se gasta a mais em remédios é o que falta em médicos e enfermeiros.
E, telegraficamente, afirmo que a consolidação orçamental, necessária na área euro, deve garantir-se apenas sobre as despesas correntes, libertando o investimento público gerador de empregos e qualificações da ditadura do défice.
Digo ainda que controlar as despesas correntes não chega. Dentro de dois anos, o País deve ter um Orçamento de base zero, onde o que se gasta responda às necessidades do futuro e não ao seu histórico.
E devem sentir-se os primeiros efeitos de uma reforma fiscal séria, para que a questão orçamental seja atacada também do lado das receitas.
A ortodoxia liberal colocou o País onde ele se encontra de rastos, sem luz ao fundo do túnel.
Dentro de um mês, você decidirá se este país merece melhor do que lhe têm oferecido.
A alternativa não é apenas trocar de Governo.
É romper com as políticas que nos têm tramado.