A longa espera
2005/03/01Venham mais cinco! PORTUGAL – LEGISLATIVAS ANTECIPADAS, 2005
Os resultados de domingo passado em Portugal são, a todos os títulos, excepcionais: derrota esmagadora das direitas, maioria absoluta para o Partido Socialista e crescimento espectacular do Bloco de Esquerda, que passa de 3 para 8 deputados e deputadas.
Estes resultados têm o valor acrescido de terem sido alcançados com uma quebra da abstenção em 3 pontos percentuais. Fecha-se um ciclo e regressa a política!
O regresso da política
1. Os resultados das eleições legislativas antecipadas confirmam a justeza da decisão do Presidente da República de dissolver o Parlamento anterior. Os partidos do governo foram colocados em clara minoria – 36 por cento dos votos. Fecha-se assim um ciclo de 3 anos de maioria de direita num país que mergulhou numa crise económica e social profundíssima.
2. A impopularidade do governo já havia sido medida nas eleições europeias de Junho de 2004. Aí, a direita unida obteve 33.5 por cento. Mas a abstenção tinha sido muito elevada – quase 60 por cento. Nessa altura, o primeiro ministro português, Durão Barroso, aproveitou a oportunidade do convite para presidir à comissão europeia e entregou o seu partido – o PSD – e o país, a Pedro Santana Lopes. De então para cá, às políticas tradicionais da direita juntaram-se episódios quase diários, que mergulharam o governo no maior dos descréditos. Antes da demissão, já muitos dirigentes do PSD se tinham deixado cair o seu próprio governo. Cavaco Silva, antigo primeiro ministro do PSD, escreve então um artigo apelando à “substituição dos incompetentes”.
3. A campanha eleitoral foi particularmente longa e dura. O partido do primeiro ministro ensaiou a vitimização; o segundo partido da direita, o CDS/PP decidiu concorrer sozinho procurando “sair da fotografia” de conjunto; o PS conduziu a sua campanha em nome de uma maioria absoluta que garantisse estabilidade para 4 anos; o PCP, com um novo secretário geral, fazia a sua prova de resistência, procurando inflectir um ciclo regressivo com 20 anos; e o recente Bloco de Esquerda procurou um resultado que o colocasse, a partir da oposição, em condições de influenciar um novo ciclo de políticas. Mais do que noutros momentos, a gravidade do estado do país levou os cidadãos a um interesse renovado pela política. Os debates televisivos registaram enormes audiências.
4. Os resultados comprovaram as previsões: quebra da abstenção; derrocada da direita, que perde mais 476 mil votos; e avanço das esquerdas, que ganham 780 mil votos. O país deslocou-se da direita para o centro e para a esquerda.
5. O novo secretário geral dos socialistas, José Sócrates, fez uma campanha dirigida ao centro político. Com isso recuperou ao PSD parte substancial do eleitorado de centro, cansado da política das direitas e das trapalhadas em que a vida política do país fora fértil nos últimos meses. Para a vitória, o PS contou também com boa parte dos novos votantes, e ainda com o voto útil dos eleitores de esquerda mais receosos. A maioria absoluta de 45 por cento expressa um eleitorado heterogéneo e com vontades contraditórias. Nele confluíram boa parte dos interesses económicos, desejosos de um ponto final na instabilidade política; um voto popular de centro que expressa a vontade de “algum sossego”; e ainda um voto de esquerda que espera do governo políticas de mudança social. Formando um governo homogéneo, o PS assume a plenitude das responsabilidades. Os próximos tempos dirão quais as orientações que irão prevalecer – se o novo governo será a reconstituição de um “bloco central dos interesses” que dependem do Estado para manterem as suas margens de lucro e poder; ou se o novo governo, aqui e ali será sensível às aspirações de mudança social que o reforço do Bloco de esquerda e do Partido Comunista traduzem.
6. O segundo vencedor de domingo é o Bloco de Esquerda. Passa de 2,8 para 6,4 por cento, ou seja, de 149 mil votos para 364 mil votos, e de 3 para 8 deputados. Em 3 anos, este crescimento é notável porque não se trata de um epifenómeno. Desde que nasceu, em 1999, o bloco vem subindo a sua votação de eleição para eleição. Já nas europeias de Junho passado havia alcançado 5,1 por cento. Mas agora, as tendências anteriores acentuaram-se extraordinariamente: o bloco continua a reforçar-se nos eleitores mais jovens, na abstenção, e no eleitorado popular de esquerda que votava socialista ou comunista. De força emergente, o bloco passa a médio partido disputando com o PCP e o PP o lugar de terceira força política em Portugal. Com efeito, apenas 1,2 por cento separam estas três formações.
7. O BE é o quinto partido apenas em 4 dos 20 distritos de apuramento; na generalidade do país passa a quarta força política. No Algarve e em Coimbra a terceira. A sua subida é nacional, de Norte a Sul, nos meios urbanos e rurais. Nos piores casos, “apenas” duplica a votação anterior; nos melhores, e são muitos, triplica. Nos 10 maiores centros urbanos do país, o BE obteve, invariavelmente, entre 8 e 11 por cento. Em Lisboa e Porto ultrapassa o PCP. Particularmente relevantes são ainda 2 resultados: no distrito de Setúbal, passa de 0 para 2 deputados e de 18 mil para 43 mil votos. Nas cidades de tradição operária da “margem sul” – Barreiro, Setúbal, Seixal ou Almada – alcança votações entre 10 e 11 por cento. O mesmo sucede, aliás, na Marinha Grande, a cidade vidreira do centro do país. A consolidação desta nova esquerda ocorre igualmente nos meios urbanos do Norte e do Sul mais ligados à prestação de serviços qualificados. Em Faro atinge 9 por cento; em Coimbra, distrito da mais antiga universidade portuguesa, sucede rigorosamente o mesmo. E em Aveiro e Braga, onde se situam duas das novas grandes universidades e onde a população é mais jovem, ocorrem taxas de crescimento em redor dos 170 por cento. Em Aveiro fica a 64 votos de um deputado; e em Braga e Faro a algumas centenas.
Uma análise mais detalhada dos resultados está ainda por fazer. Mas creio ser possível associar este notável resultado ao facto do bloco “ser filho da crise” em que as direitas mergulharam o país. Para muitos eleitores e eleitoras, os anos de oposição incansável às direitas e a campanha – centrada sobre as políticas de emprego – respondeu à principal escolha que estava em jogo: prosseguir as políticas de contenção orçamental ou concentrar as prioridades de mudança libertando das amarras do défice o investimento público gerador directo e indirecto de emprego e qualificações. Foi também decisivo o posicionamento do bloco ante o futuro governo socialista: ficar de fora, mas discutindo cada política, procurando influenciar o seu sentido na direcção de um novo ciclo de políticas. Acertámos, agora é um novo tempo: com a mesma disposição e uma nova responsabilidade.