RABAT – Processo de Barcelona em exame

20 e 21 de Novembro 2005 :  RABAT – Processo de Barcelona em exame

Parlamentos da Europa e do Sul do Mediterrâneo encontraram-se, a 20 e 21 de Novembro, em Rabat. Tempo para verificar como as promessas de aliança euro-mediterrânica, assinadas há 10 anos em Barcelona, ficaram pelo papel. Hoje, o que a União quer do mediterrâneo são os seus mercados e o controlo policial da imigração.

Intervenções de Miguel Portas

No Plenário
SOBRE A ALIANÇA DE CIVILIZAÇÕES

Senhor Presidente,

A excelente intervenção senhor Mayor Zaragoza, em nome das Nações Unidas, ilustra como poucas o real problema que aqui nos deveria trazer: a coerência entre as palavras e os nossos actos.

Vejo a Aliança de Civilizações como a ideia que se deve contrapor às teorias do Choque de Civilizações.

Como a estrada que pode concretizar a nossa unidade no combate às desigualdades, respeitando a diversidade. Pelo contrário, os que desejam o enfrentamento de Civilizações, querem um mundo fragmentado, aprisionado pelo medo e pela desconfiança em face do Outro.

Por isso, a Aliança de Civilizações deve ser o caminho que nos permita superar, não apenas o terrorismo, mas também a guerra e a repressão como modos de resolução de conflitos.

Vejo a Aliança de Civilizações confrontando abertamente os fundamentalismos – não só o islâmico, mas também o que se exprime na capital do Império, em Washington. A visão que ambos têm do presente e do futuro deste mundo é bem mais similar do que se possa pensar.

Em segundo lugar, vejo a Aliança de Civilizações como a via que conduz ao fim dos muros, de todos os muros do nosso mar.

Do muro que Israel colocou na Palestina;

Do muro que Marrocos instalou nas areias do Sahara, separando famílias, e impedindo que o povo saharauí se possa pronunciar sobre o seu futuro;

E do muro que a União Europeia construiu no Mediterrâneo.

Peso as palavras.

A Aliança de Civilizações só o será, se resgatar, no Mediterrâneo, o melhor da nossa História comum, os tempos em que neste mar circulavam não apenas mercadorias, mas também as gentes.

É por isso que a prova primeira dessa aliança é a política sobre imigração.

Caros colegas,

Não se pode continuar a insistir em políticas que são mais do mesmo. Que nos conduzem aos acontecimentos de Melilla. Ou ao  centro de detenção de Lampedusa.

Espanha e Itália recebem, por ano, dezenas de milhares de imigrantes legais oriundos, respectivamente, da América Latina e do Leste Europeu. Agora pergunto: e quantos, legais, aceitam da África subsahariana?

De Portugal, o meu país, saem para os outros países da União Europeia, 50 a 80 mil pessoas por ano. Mas agora pergunto-vos: sabeis quantos imigrantes legais o meu país aceitou este ano? Quantos vistos concedeu? 164!

São estas as perguntas que fazem luz sobre as tragédias de Ceuta e de Melilla. Elas só ocorreram porque a Europa tem hoje uma política de imigração à la carte, que discrimina em função da cor da pele e da estranheza do nome que se tem.

Pergunto ainda: que autoridade temos nós, os europeus, para criticar – justamente – Marrocos, pelo modo como despejou centenas de imigrantes no Sahara, sem água ou alimentos, quando boa parte desses desgraçados foram entregues às autoridades marroquinas… pela Guardia Civil espanhola?

E como querem que alguém leve as nossas palavras a sério, quando os documentos desta Assembleia não fazem uma só referência à Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos dos Imigrantes, datada de 1984, e que na Europa apenas a Croácia subscreveu?

Termino:

O nosso mar resgatará o melhor da sua História.

Resta saber se connosco, ou contra nós, os responsáveis políticos.

Parafraseando Mayor Zaragoza, enquanto os políticos europeus continuarem a pensar mais nas próximas eleições do que nas próximas gerações, é a segunda hipótese que continuará a prevalecer.