Tortura? Eles são lá capazes!
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Diário de Notícias, Opinião
Em argumento, convicção e proposta, Francisco Louçã é o mais bem preparado dos candidatos. Não é necessário ser seu apoiante para se chegar a esta conclusão.
Esta apreciação é independente do modelo de discussão ser mais “olhos nos olhos” ou em “simultâneas”. O debate entre Cavaco Silva e Francisco Louçã – o mais substancial – provou-o. Pacheco Pereira reconhece o facto em artigo publicado na passada quinta-feira. E exprime a sua irritação. A animosidade do analista com a área política em que Louçã se move, não é apenas de projecto. É também de geração. E, dentro desta, de radicalidades em certo momento partilhadas.
A maioria dos rostos conhecidos dos jovens dos idos da revolução, percorreram a estrada que os levou da esquerda para o centro e/ou a direita. Esse caminho não se faz sem drama e tormento pessoais. Sem excelentes e péssimas razões, atravessadas pela marca de que o comunismo ocidental é herdeiro, a cultura judaico-cristã e o seu alimento de culpa.
O modo como cada um atravessa esta “reconstrução” varia muito. Mas fica sempre um problema por resolver: a relação com os que escolheram não fazer o mesmo caminho. Com os que continuaram do mesmo “lado da barricada”, mesmo que para isso se tenham obrigado a reavaliações e balanços não menos dolorosos. A mera exposição pública deste “lado” da geração surge, inevitavelmente, como desafio ao destino. E se nessa exposição se tem “brilho e capacidade”, pior. Porque se prova que não há uma só estrada, mas bifurcações. A irritação que Francisco Louçã provoca entre os mais mediáticos da sua geração, resulta não apenas de diferenças de opinião política ou modos de ser, mas de uma disputa pela memória e sentido de uma geração política.
Nos que fizeram a estrada da esquerda para o centro e a direita, Pacheco Pereira é, a vários títulos, a referência mais sólida. Porque, para lá da espuma dos dias, o seu objecto de trabalho é a História do “lado” que um dia deixou. E nesse trabalho, tem o mérito de não ajustar contas. Investiga, indaga, colecciona, articula, veste a pele, e ensaia respostas às interrogações que o tempo coloca. A sua biografia de Álvaro Cunhal é um notabilíssimo documento. Não é “a” História do PCP. Mas é, seguramente, a melhor História que sobre o PCP até agora se fez. Pacheco Pereira historiador não merecia a triste nota que a Secção de Imprensa do PCP recentemente lhe dedicou, acusando-o de “uma pretensa investigação cujo objectivo é inocentar a PIDE e criminalizar o PCP”. Esta e outras barbaridades sobre o “branqueamento do fascismo”, constam dessa nota digna dos anos 50 e que prova, à saciedade, como o estalinismo renasce na Soeiro Pereira Gomes, mal se interroguem verdades sagradas, ou se investigue sobre os aspectos menos honrosos que a História de qualquer corpo humano inevitavelmente comporta.
Se em vez de notas como esta, o PCP abrisse os seus arquivos à investigação dos historiadores, faria bem melhor. Porque os comunistas portugueses não têm que se envergonhar da sua História. Partidos com histórias bem mais complexas, do ponto de vista do equilíbrio entre sombras e luzes, abriram os seus arquivos. O último a fazê-lo, bem recentemente, foi o Partido Comunista Francês.
Mas o que Pacheco Pereira historiador faz, desfaz o Pacheco Pereira opinion maker.
Neste, não existe o mergulho distanciado na memória dos tempos, mas o guerrilheiro das palavras. O processo de intenção que move ao candidato parte de um pressuposto que não discute: que quem fica do “lado de cá”, se condena a ficar no mesmo sítio, prisioneiro do tempo que passou e das certezas que nele faliram. Porque conhece o marxismo, Pacheco sugere aos jornalistas que interroguem Louçã sobre a “sociedade que idealiza” e a política de transição que a pode aproximar. Questões interessantes, embora pouco televisivas… Ei-lo, por isso, sugerindo a adaptação das perguntas ao écran: “que país se aproxima do que Louçã pretende para Portugal?”, pergunta. E não resistindo à tentação, delira. Louçã seria, em Portugal, uma singular mistura entre a Suécia na política social, a Holanda nos costumes, a Venezuela não se sabe bem em quê… e a Líbia, porque o coronel Kadaffi teria que entrar em qualquer lado da fotografia. Eis onde conduzem as perguntas tontas: a respostas parvas…