PERSPECTIVAS FINANCEIRAS Tão poupados e amigos que eles são
2005/12/05ELEIÇÕES NA PALESTINA. As responsabilidades da comunidade internacional
2006/01/26Palestina a votos
Acabo de ler uma entrevista do porta-voz do Hamas ao Réseau Voltaire[1]. É esclarecedora no que diz e no que oculta. No silêncio sobre o que significaria um país regido pela “lei de Deus” – aliás, a jornalista também não lho pergunta…; ou sobre o que significariam “tréguas duráveis” com o ocupante. Mas clara sobre o modo como se consideram, não uma organização terrorista, mas um movimento de resistência nacional; e como distinguem a religião judaica do Estado de Israel.
Esta entrevista deve ser lida porque representa, simultaneamente, uma corrente de opinião fortíssima, e porque ela se encontra em “movimento”. O Hamas de hoje não é o de ontem, nem será o de amanhã se, como tudo indica, se afirmar como força decisiva no mapa político palestiniano.
Um sistema eleitoral complexo
Ninguém pode, com um mínimo de rigor, assegurar o que amanhã decidirão os palestinianos. As últimas sondagens, pouco fiáveis, dão 40 a 42 por cento dos votos à Fatah, o partido do falecido Yasser Arafat, 35 por cento ao Hamas e o restante a várias forças de menor expressão. A principal destas forças de “terceira via” – creditada com 7 pontos – é uma plataforma laica, de esquerda e não violenta, que resultou da candidatura presidencial de Moustapha Barghouti, que, há pouco mais de 1 ano, obteve 20 por cento dos votos (a ela não se apresentou, contudo, nenhum candidato do Hamas).
Mesmo que as sondagens acabassem por acertar, isso não significaria automaticamente uma maioria parlamentar da Fatah e das restantes correntes laicas. Com efeito, o sistema eleitoral aprovado pelo anterior parlamento é misto – metade dos cargos são de eleição uninominal. Mesmo perdendo na lista nacional, o Hamas pode vencer nas principais cidades as disputas uninominais. Com efeito, o partido de Arafat encontra-se num estado de quase implosão. Durante muito tempo dividida entre os activistas do interior e os que acompanharam Arafat nos anos do exílio, a Fatah entrou em crise aberta nos últimos meses do ano passado. Para dirimir o diferendo, organizou primárias para seleccionar os seus candidatos. O saldo final dessa batalha foi favorável à “jovem guarda”. Mas os mais velhos e comprometidos com os sistemas de interesses que gravitam em torno da Autoridade Palestiniana, decidiram vingar-se apresentando candidaturas independentes aos círculos uninominais. Os efeitos desta fragmentação só amanhã se ficarão a conhecer. Assim como o efeito que terá tido a entrevista televisiva de Marwan Barghoutti à Al-Arabya neste fim-de-semana. Marwan Barghoutti, antigo chefe militar das brigadas de Al-Aqsa, é o mais popular líder palestiniano da actualidade. Está preso em Israel e lidera a lista nacional da Fatah. O facto de Israel ter autorizado a entrevista dá bem a ideia do que está em jogo nesta eleição. Na entrevista, Barghouti sustentou um “governo de unidade nacional”, portanto, com inclusão do Hamas. Ainda assim, Telavive decidiu correr o risco…
A Europa sem saber o que fazer
As tomadas de posição internacionais são outro factor que intervém nestas eleições. Desde o início, Israel fez tudo o que pode para evitar que o Hamas se apresentasse às eleições. Debalde. Depois, procurou condicionar essa participação a uma declaração de todos os candidatos “repudiando o terrorismo”. Também debalde. Mesmo a administração norte-americana percebeu que a inclusão do Hamas no sistema político faz parte de qualquer saída para o conflito. Mas o mesmo não o entendeu boa parte da Europa institucional. Javier Solana correu em socorro da posição israelita, enquanto a comissária Ferrero Waldner fez declarações bastante mais pacificadoras do ambiente político. Mas ainda hoje circula aqui em Jerusalém, em papel impresso com o símbolo do Parlamento Europeu, uma declaração de vários deputados do centro e da direita no mesmo sentido da posição de Telavive. Nesse documento encontra-se a assinatura de pelo menos um eurodeputado português, Ribeiro e Castro. Independentemente do que se possa pensar sobre estas eleições e o conflito que define a politica no Médio Oriente, é lastimável a circulação de documentos ambiguamente oficiosos, quando o próprio PE tem aqui uma extensa missão de observação eleitoral, a quem compete isenção e objectividade nos procedimentos de amanhã. Acresce que este tipo de posições só podem irritar os eleitores. É difícil imaginar melhor préstimo ao Hamas a menos de 24 horas do escrutínio…
[1] Quel est le programme politique du Hamas aujourd’hui? Réseau Voltaire, 20.01.2006