A luta continua
2004/11/04Fallujah
2004/11/18Arafat
Diário de Notícias, Opinião
No momento em que escrevo, a vida de Arafat pode estar ligada à máquina ou ter-se, definitivamente, finado. Seja como for, o seu afastamento da liderança encerra um ciclo na História da Palestina.
O tempo que agora se abre é dos mais difíceis: porá à prova a consistência e maturidade da resistência à ocupação. Quase tudo, naquela terra sofrida, conjuga a tragédia.
Em primeiro lugar, a partida da figura que tem condensado a vontade da nação. Arafat tinha muitos defeitos e o seu Governo estava longe de ser modelar.
Mas o velho líder, não escapando às críticas, tinha desconto. Contra ventos e marés, ele foi o homem que deu rosto a um povo e se confundiu com a causa nacional. E isto ninguém esquece.
A sua partida põe um problema de sucessão e de legitimidade.
O «estado de graça» de Arafat não é transferível para os possíveis candidatos à sucessão. Ele tem que ser legitimado e, em seguida, construído e conquistado onde Arafat falhou: no governo da coisa pública e na estratégia para um Estado palestiniano viável.
Porque a questão da legitimidade é decisiva, a sucessão não dispensa a consulta ao povo.
Qualquer outra variante palaciana será uma via rápida para o caos, o maior presente que as lideranças palestinianas poderiam oferecer a Israel.
A primeira prova é, portanto, palestiniana: conseguirão uma transição unificada até às eleições?
De momento, os sinais são animadores. A Autoridade Palestiniana deslocou-se em bloco a Paris e em Gaza as facções armadas estabeleceram tréguas entre si.
Se Arafat morrer, o seu enterro, independentemente do lugar, terá dimensão emocional e popular equiparável ao de Nasser. Sim, do lado palestiniano, podem existir condições para uma transição coligada.
Mas falta o resto.
Ariel Sharon não reconhecia Arafat. Porque passará a reconhecer outro que não pode escolher?
O segundo «se» respeita, por isso, à comunidade internacional e à pressão que exerça para a realização de eleições que dependem em grande medida de Israel.
Com efeito, a Israel compete garantir que o recenseamento em Jerusalém e nos territórios se pode fazer; e a Israel compete levantar os entraves à mobilidade dos palestinianos na sua própria terra. Não o fará se a isso não for obrigado. Porque uma nova liderança, eleita democraticamente, coloca Ariel Sharon ante a inevitabilidade de negociar. E isso tem sido tudo o que ele tem procurado evitar.
Chegamos assim ao terceiro «se», o mais difícil: não é crível a realização de eleições sem que previamente Israel e as facções palestinianas cheguem a um acordo de tréguas temporárias. A anterior falhou porque os ambientes estavam envenenados e Israel não parou com as execuções extrajudiciais.
Agora, é indispensável um acordo que as interrompa, para além de suspender a dança macabra das bombas suicidas e das retaliações punitivas sobre as cidades palestinianas. O Hamas respeitará um acordo deste tipo – é quem mais tem a ganhar com eleições. A bola está do lado de Israel. E em Bush, claro. Eis porque quase tudo se conjuga para o desastre?
Oh deus, vê lá se desta vez apareces.