Arafat
2004/11/11Por terra ocupada
2004/12/01Fallujah
Diário de Notícias, Opinião
Fallujah não é apenas mais uma tragédia humana a acrescentar a outras – mais mil e quinhentos mortos; mais uns milhares de feridos; ou ainda mais umas dezenas de milhares de novos desalojados.
Fallujah é tudo isso e muito mais. É o cemitério onde se enterram as ténues esperanças que ainda pudessem existir de uma solução política para o conflito iraquiano.
Por causa de Fallujah, os xiitas que se opõem à ocupação decidiram não participar nas eleições de Janeiro. Por causa de Fallujah, qualquer eventual envolvimento das comunidades do triângulo sunita esvaiu-se, sufocada pelos bombardeamentos. Por outras palavras, Fallujah é o lugar onde os militares norte-americanos explicaram à ONU e à Europa que a política no Iraque é a que a guerra impõe. Em Fallujah enterra-se o que só viveu em intenções escritas: «O papel de liderança que a ONU desempenha na promoção do processo político e da reconstrução do Iraque.»
Na semana passada, estive nas Nações Unidas em delegação oficial do Parlamento Europeu. Aí, reunimo-nos com os responsáveis pelo processo eleitoral iraquiano. O que nos disseram é que a ONU foi colocada ante um facto consumado. Norte-americanos, australianos e o seu Governo em Bagdad marcaram datas sem que alguma das condições prévias estivesse satisfeita.
É óbvio que não existem condições mínimas para que as eleições de Janeiro sejam mais do que um embuste e uma vergonha para qualquer ideia de democracia. Com efeito, não existem condições mínimas para recensear grande parte da população; muito menos para incorporar as oposições à ocupação; e a mobilidade de candidatos e eleitores durante a campanha e o voto serão uma mentira.
As eleições de Janeiro só podem realizar-se se os tanques norte-americanos e ingleses forem os palcos dos comícios eleitorais. Não é preciso «ser do contra» para perceber que isso separará, definitivamente, iraquianos colaboracionistas e opositores. As eleições de Janeiro são a via rápida para que uma dinâmica de guerra civil se intrometa na presente guerra contra a ocupação.
As decisões que o Conselho Europeu tomou no início de Novembro são, neste contexto, ridículas, caras e inúteis. 30 milhões de euros para as eleições são dinheiro deitado ao ar. Tal como, infelizmente, o foi boa parte dos 300 milhões de euros que a União destinou, em 2003 e 2004, a ajuda humanitária e reconstrução de serviços de saneamento, água, educação e saúde.
Disso, em Fallujah, sobram pedras e pó.
O que à Europa sobra em dinheiro, falta-lhe em política. Eleições no Iraque só serão um caminho para a transferência de soberania se estiverem ligadas a um compromisso que fixe as condições da retirada dos exércitos de ocupação e sua substituição por uma força multinacional de paz. Para isto deveria servir a conferência de Sharm el-Sheick, prevista para 23 de Novembro deste ano. De outro modo, esperemos, todos, mais do mesmo – a descida aos infernos.
Outro assunto: arrisco que o último filme de João Canijo – Noite Escura – seja o mais importante da filmatografia portuguesa desde Verdes Anos. Ele resgata quantos e quantas, com escassez de meios, bem e mal, procuraram criar um público para o nosso cinema.
Porquê? Porque ali está tudo certo, da história aos cenários e dos actores à fotografia. Mas, principalmente, porque Noite Escura é, simplesmente, um excelente filme em qualquer parte do mundo.